quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

A natureza não é fantástica?

Por Lucia Maria Paleari


Logo após o ano novo, as chuvas intensas e constantes fizeram verdejar e florescer os campos. Numa manhã, uma planta conhecida por oficial-de-sala (Asclepias curassavica), que eu havia fotografado duas semanas antes em um dos caminhos que percorro diariamente na faculdade, chamou-me a atenção: suas flores, de um vermelho intenso, destacavam-se em meio às demais plantas, mas foram duas lagartas que roubaram a cena. Lagartas da borboleta Monarca, cientificamente conhecida por Dannaus plexippus, que estavam grandes, bem alimentadas e bonitas com suas listras pretas e amarelas. Não pude deixar de fotografá-las. Abaixo, uma delas:


Lagarta da borboleta Monarca


Ao me aproximar observei e registrei também um ovo depositado em uma das flores, pela borboleta adulta. À tarde, quando voltei para novas observações, aquele pequeno ovo já estava rompido. Veja como ele ficou.


Do lado esquerdo um ovo depositado pela Monarca fêmea, em flor da planta oficial-de-sala - observe uma parte escura
na região apical dele, é a cabeça da larvinha que está prestes a eclodir;
do lado direito o mesmo ovo vazio, após a eclosão.


A lagartinha que eclodiu, iniciou a vida comendo partes da flor, como se pode ver nas fotos a seguir.


Lagartinha recém-eclodida, sobre uma flor de oficial-de-sala;
no local indicado pela seta há um vazio deixado por ela ao consumir parte da flor.


No ano de 2010, Raquel Sanzovo Pires de Campos - hoje bióloga pós-graduanda - e eu, publicamos um artigo, na Revista Eletrônica de Ciências, do Centro de Difusão Científica e Cultural (CDCC) de São Carlos, no qual apresentamos algumas características dessa espécie de borboleta. Raquel fez as ilustrações do referido artigo.

A borboleta Monarca, quando ainda está na fase de lagarta, é capaz de consumir folhas, flores e até frutos da oficial-de-sala. Nesta planta existe uma substância branca, o látex, que é pegajoso e tóxico para nós e outros vertebrados. A substância tóxica, conhecida por asclepiadina, pode provocar diversos problemas como convulsões, náusea, vômito, problemas respiratórios e alterar o ritmo cardíaco ao ponto de levar o animal rapidamente à morte, a depender da quantidade de planta ingerida.

E não são apenas as folhas, frutos e caule da oficial-de-sala que possuem essa substância, também as sementes que, envoltas em uma pluma, são dispersas pelo vento. Quando muitas sementes caem em uma área de pastagem, elas podem ser ingeridas em grande quantidade por animais do rebanho, que geralmente morrem.


Sementes da oficial-de-sala (Asclepias curassavica)
envoltas em pluma, que favorece a dispersão pelo vento


O interessante é que algo tão danoso para certos animais, não afeta outros e até ajuda na defesa, como é o caso do que acontece com a Monarca e insetos como vespas e mosquinhas (ver figura a seguir).

Observe que na imagem da esquerda a mosquinha tem na probócide uma gota do néctar que obteve
em uma flor da oficial-de-sala, e na foto da direita a vespa apanha o néctar que fica
acumulado naquela região da flor.


Interessante também é ver a estratégia de alguns insetos para se livrar de grande parte do látex viscoso e indesejado, antes de consumir as folhas.

Na década de 1980, quando lecionava na Escola Comunitária de Campinas, levei várias turmas de alunos que cursavam a 6ª série, para realizar trabalhos de ecologia em terrenos baldios do entorno daquele estabelecimento de ensino (artigo publicado na revista Ciência Hoje das Crianças, Rio de Janeiro, v. 107, p. 17 – 20). Em uma dessas saídas, encontramos um pé de oficial-de-sala que proporcionou aos estudantes a oportunidade de observar o trabalho cuidadoso de pequenas larvas de um besouro, que consegue livrar-se do látex. Abaixo, a foto que fiz na ocasião.


O bichinho escuro, de cabeça pequena e abdome globoso, é uma larva de besouro que fez os orifícios
na lateral da nervura principal da folha de Asclepias curassavica, que evita a passagem de látex.


Esse trabalho meticuloso, de furar a lateral da nervura principal, que é a estrutura responsável pela distribuição do látex pela folha, realizado pela larva com as peças da sua mandíbula, evita que a parte apical da folha receba o látex. Por isso, depois de fazer esses buraquinhos, a lagarta desloca-se para essa região onde inicia o consumo da folha. Imagine o que seria mastigar uma folha cheia de látex, é bem possível que seja o mesmo que mastigar uma goma (chicletes) bem mole e pegajosa.

Embora não tão caprichosa como a larvinha do besouro, mas pela mesma razão, as lagartas da Monarca cortam parte da nervura principal da folha. Veja a foto que fiz neste início de ano.


Folhas de Asclepia Currasavica com as respectivas nervuras principais cortadas; na foto da esquerda
pode-se ver a porção apical consumida pela lagarta da borboleta Monarca (Dannaus plexippus)
e na foto da direita um detalhe do corte feito por ela na nervura principal.


A natureza não é fantástica?


Visite o blog do Projeto Croton

domingo, 2 de janeiro de 2011

Ciclos

E o ano novo se inicia.
Ele simplesmente chegou como faz a cada 365 dias e pequenas frações de tempo.
Sem licença para entrar em cena e sem força de imposição. Apenas a modificação do dia que foi ontem no dia que irrompe hoje, depois de jornada celeste que abraçou o sol.
Assim como veio, sai de cena, sem segundo tempo ou prorrogação.
Os rituais de luzes, sons e gestos inventamos nós, para nos acalentar. Uma forma de saudar, de desejar bons augúrios para a nova viagem que se inicia, mas em cada alma um desejo escondido. Quando o ano nos parece generoso aflora o apego, a vontade de retê-lo, mas se os dissabores rondaram nossas realizações, apressamo-nos em desembarcar.
Mas ele não é um veículo. Ele não é meu ou seu. Ele não é real ou virtual. É pura imaginação. Paradoxal, porque as marcas visíveis dos corpos, das pedras, das casas aumentam incessantemente. E, assim como o ano, eles também saem de cena, num rito de renovação da vida e esperança.
Ciclos.

Lucia Maria Paleari