terça-feira, 22 de dezembro de 2009

Ecologia Planetária

Por Lucia Maria Paleari

O que será que melhor define o nosso planeta?

Esse planeta que emocionou Armstrong, primeiro astronauta a contemplá-lo do espaço e a mergulhar o olhar no seu azul. Planeta que vaga pelo universo como um pequeno grão de areia em uma imensa praia de estrelas e mistérios.

Para alguns é espelho das águas que brotam das fontes a verdejar os campos, a alimentar os rios e os oceanos, para outros a fisionomia de ilhas e continentes, que emergidos das profundezas justificam-lhe o nome de batismo.

Todas essas imagens de beleza inspiram poesia e despertam sentimentos profundos de amor e ternura, que só têm uma explicação: aqui fomos gerados, nutridos, aconchegados. Terra, portanto, é Gaia. E esta talvez seja a imagem mais fecunda deste planeta azul: a imagem da vida!

Vida que brotou das águas e floresceu o planeta em crisântemos e margaridas, em ipês e jacarandás, abelhas e maritacas, fungos e bactérias, focas e crocodilos, Homens e muitos outros bichos.

Somos filhos da Terra, que é nossa mãe e nossa morada. Gaia.

Não há em qualquer lugar conhecido do espaço sideral luz, água, brisa e solo, que nos alimentem e que reciprocamente alimentemos como acontece aqui.

Um dia o ser humano, que desenvolveu uma capacidade especial, que é a de pensar, ficou curioso disso tudo e resolveu investigar. Resolveu procurar por explicações para as suas perguntas sobre a vida e sobre como os seres vivos se relacionam na Terra.

As investigações, o estudo que fazemos sobre como acontecem e o que está envolvido nas relações entre os seres vivos, e entre eles e a mãe Terra, nós denominamos de Ecologia.

Ecologia é, portanto, uma área de estudo, que nos desafia a compreender e elaborar explicações sobre as interações de todos os elementos, vivos e não vivos que fazem a Terra ser o que é: azul, vista do espaço; uma imensidão de água, na canção; e palco da vida, nos seus cenários diversos.

Sabemos que as plantas encontraram um jeito de verdejar, um jeito de viver. Elas inventaram a arte de fazer fotossíntese. Usando a luz, a água e o gás carbônico que há na atmosfera, camada de gás que envolve toda a Terra, as plantas verdes, com o auxílio da clorofila, produzem alimento. Produzem um açúcar denominado de glicose, no qual armazenam energia química, que conseguem transformando a energia luminosa do sol. Sempre que elas precisarem, para se manter vivas, essa energia armazenada nas moléculas de glicose poderá ser utilizada. Isso quer dizer que para produzir a seiva que circula pelos seus corpos, dar origem aos ramos, às folhas e raízes, as plantas lançam mão da energia armazenada na glicose e de nutrientes que elas retiram do solo. Assim, surgem as proteínas que servem para construir as paredes do corpo, e fabricar os hormônios que agem no crescimento, na floração, na maturação dos frutos etc., além das vitaminas, que são reguladores nas reações químicas que acontecem nas células.

Apenas as plantas, e algumas bactérias que têm clorofila, são capazes de produzir alimento dessa forma. Um alimento que, quando sobra, é deslocado principalmente para as raízes, onde é mantido para os momentos de precisão. Denominado agora de amido, este alimento nada mais é do que muitas moléculas de glicose ligadas quimicamente umas às outras, formando uma molécula bem maior. Ele é encontrado em grande quantidade na batatinha e na mandioca, por exemplo.

Mas, além do alimento, as plantas e as bactérias que possuem clorofila, produzem e liberam na atmosfera o gás oxigênio. É usando o oxigênio e a glicose, que os seres vivos realizam o processo da respiração celular, por meio do qual liberam a energia armazenada na molécula de açúcar, a glicose.

Os animais, seres desprovidos de clorofila, incapazes, portanto, de fabricar o alimento de que precisam, dependem das plantas, dependem do que elas produzem, desde a fotossíntese.

Os animais surgiram na Terra e puderam se perpetuar, porque desenvolveram a capacidade de se alimentar das plantas e, posteriormente, de outros aimais. Ao comer um vegetal, ou parte dele, os herbívoros ingerem seus açucares, vitaminas e proteínas, que transformam e utilizam na construção dos seus próprios corpos e das substâncias que circulam dentro deles, como é o caso do sangue.

Embora tais descobertas, a partir de conhecimentos de química, física e biologia, nos permitam dar uma resposta relativamente simples como essa, se pensarmos no significado dessa interação entre planta e herbívoro, portanto, se pensarmos em termos de ecologia, perceberemos que há muito mais para ser compreendido. Algo muito profundo e muito importante:
- Sem vegetais e bactérias fotossintetizantes, nenhum animal, inclusive o Homem, poderia existir no planeta Terra, a não ser que desenvolvesse a capacidade fazer quimiossíntese, como certas bactérias.

Mesmo os animais carnívoros como a onça parda, as corujas e a harpia, desapareceriam se não houvesse plantas. Isso porque os animais que esses carnívoros comem, ou precisaram se alimentar de herbívoros, ou alimentaram-se de outros animais carnívoros, que por sua vez se alimentaram de herbívoros. Tudo está ligado. Tudo é interdependente.

E é tão bem tramada e ajustada essa teia, que, mesmo depois de mortos, plantas e animais ainda servirão de alimento para fungos e bactérias existentes no solo. E é a transformação feita por esses dois tipos de microorganismos, denominada de decomposição, que permitirá a recomposição do solo. Recomposição de nutrientes que um dia as plantas retiraram para suprir suas necessidades de vida e também as necessidades de todos os animais consumidores, das cadeias alimentares. Assim se fecha o ciclo e tudo pode recomeçar, quando uma semente germinar nesse solo.

Os seres vivos, integrados aos componentes físicos do ambiente, são os responsáveis pelas condições que existem e possibilitam a vida no planeta. Eles participam da ciclagem dos nutrientes, ao retirar certos elementos químicos do solo, a fim de produzir certos compostos que lhes são necessários. São também os seres vivos que mantêm a proporção dos gases na atmosfera e contribuem com vapor d’água que a umidece. Este vapor, liberado em grande quantidade especialmente pelas formações vegetais mais extensas e exuberantes, é fundamental para o estabelecimento dos regimes de chuva e de temperatura, que caracterizam o clima das diferentes regiões do globo terrestre, que poderão ficar muito quentes e secas sem essas formações vegetais.

Por isso tudo, como entender e aceitar que o Homem devaste, ao seu bel prazer, áreas de florestas e campos? Como entender e aceitar que o Homem ateie fogo e mate, além dos vegetais e animais, os microorganismos do solo, responsáveis pela decomposição? Como entender e aceitar, que o Homem, que está sempre procurando remédios e conhecimentos médicos para viver mais e melhor, esteja se autodestruindo, esteja encurtando sua possibilidade de vida na Terra?

Sinceramente, a única explicação possível que eu posso encontrar para essas atitudes assustadoras é que se trata de um alto grau de insensibilidade, ou de uma profunda ignorância.

Os povos indígenas que, bem antes de Colombo e Cabral, habitavam o Brasil, dão-nos um grande exemplo de sensibilidade e sabedoria ao lidar com a terra e com o quê da terra nasce e cresce. Dão-nos uma grande lição de vida ao lidar com a Natureza. Para esses povos a Natureza é sagrada. É sagrada pelo dom da vida e por isso, é um bem que só pode ser partilhado, jamais possuído. Isso significa que mesmo sem os conhecimentos científicos que temos hoje, os índios compreendiam o significado da vida, das relações existentes no planeta e, por isso, jamais construíram cercas, caçaram e colheram mais do que necessitavam para sobreviver. Os únicos bens que tinham eram os objetos que construíam como os colares, canoas, arco e flecha. Eles construíram culturas ajustadas aos ambientes onde viviam. Compreendiam os ciclos do dia-noite, das estações do ano, da renovação da vida. A tudo isso eles se integravam, com verdadeiro sentimento de pertencimento à Natureza que, benfazeja, nutria seus corpos e seus espíritos, que se alegravam com a caça, com os frutos, com os sons, as cores e os odores das florestas e dos campos. Suas danças e diversos rituais eram grandes celebrações. Por essa maneira de conceber o mundo eles viviam o tempo presente em harmonia com tudo aquilo que os cercavam, e eram verdadeiramente livres.

Hoje, o que vemos na sociedade humana são pessoas apartadas da sua própria natureza e dos ambientes onde habitam, tomando atitudes insanas, escravas do dinheiro e de desejos fúteis, altamente destruidores da vida. Mal se dão conta dos pássaros, da beleza das folhas brilhando ao sol, do frescor de uma sombra de árvore ou do cheiro molhado da terra, que tanto necessitamos para alimentar o nosso espírito, que permite integrarmo-nos à generosidade e grandeza de Gaia.

Transformamos tão rápida e intensamente os ambientes, que muitas vezes eles não conseguem se recuperar, se recompor. Inclusive nisso os povos indígenas nos superaram. Plantavam em pequenas áreas que usavam por certo tempo e depois deixavam para que se regenerassem. Jamais deixaram suas populações crescerem demais. Nós, ao contrário, nos multiplicamos exageradamente e quanto mais gente, mais espaço precisa ser ocupado e mais alimentos precisam ser obtidos. Não bastasse isso, exaurimos a terra para produzir cada vez mais carvão, móveis, agricultura, cidades, pastos e indústrias, com o objetivo de comercializar mais, de ter mais lucros e de acumular mais divisas.

Procuramos inúmeras maneiras de usar o nosso conhecimento científico para produzir alimentos, mas não investimos em mudanças de hábitos para consumir apenas o que necessitamos e melhores maneiras de conservar e distribuir os alimentos entre as pessoas; buscamos por novas formas de energia menos poluentes, mas não admitimos trocar o uso do carro por um transporte coletivo, ou investir em ferrovias em detrimento de auto-estradas; colecionamos sapatos, roupas e assessórios como se não necessitassem de matéria prima da Natureza e não resultassem em pilhas de lixo, muitas vezes de difícil decomposição; sensibilizamo-nos com a moda e o dinheiro e não refinamos nossas atitudes para contemplar e respeitar o ambiente que é a única garantia de vida e de perpetuação da nossa espécie.

Ignoramos ou negligenciamos um aspecto muito importante no estabelecimento das interações: o do tempo. As fisionomias das diferentes paisagens, conhecidas como biomas, cujos exemplos são a caatinga, o cerrado e a floresta Atlântica, entre outros, resultaram de um longo, muito longo processo de reconhecimento e ajustes mútuos entre os elementos, vivos e não vivos que compõem e caracterizam esses biomas.

Tais ajustes mútuos entre as espécies em seus ambientes típicos é o que conhecemos como coevolução. As espécies coevoluem, isto é, se modificam umas em relação às outras continuamente sob influência de determinado conjunto de fatores. Não é à toa que certas flores só são polinizadas por uma espécie de inseto ou pássaro, deixando de produzir frutos e sementes se esses polinizadores forem extintos. Sabemos que sem sementes a maioria das plantas não mais se multiplicará, fato que implicará no desaparecimento desse vegetal e de todos os animais que dependem exclusivamente dele para viver.

Por isso, não podemos achar que atear fogo em áreas de vegetação e derrubar árvores que levaram mais de uma centena de anos para crescer, e com elas destruirmos os seres que ali se abrigam ou se alimentam apenas para acumular dinheiro e muitos bens materiais, não trará conseqüências para toda a teia da vida e condições climáticas que os seres vivos ajudam a manter no planeta.

Acredito que esses exemplos, embora simples, quando comparados a interações bastante complexas e sofisticadas que conhecemos, já sejam suficientes para que todos se dêem conta de como são importantes os conhecimentos de ecologia e a necessidade de refletirmos com vagar sobre eles, para que com a consciência desperta possamos desenvolver outros valores, outras atitudes no nosso dia-a-dia. Precisamos de uma nova visão de mundo.

É necessário e imprescindível que nos voltemos para os nossos mais profundos sentimentos e origem, restabelecendo ressonância com Gaia, numa ecologia planetária de respeito à vida em todas as suas manifestações.