quarta-feira, 17 de dezembro de 2014

Nossa, que frio!!!
Por Lucia Maria Paleari

Clube de Ciências
Diário de Bordo


Nossa, que frio!!!

Por Lucia Maria Paleari


Parece mentira, mas quem costuma nadar sabe que depois de um mergulho é possível ficar roxo de frio e arrepiado, mesmo no verão. Você, possivelmente, já deve ter passado por isso. Muitos dos integrantes do Clube de Ciências, da EMEF “Dr. João Maria de Araújo Jr.”, de Botucatu, já.  Aproveitando que estávamos estudando o comportamento da água, investigamos esse fenômeno, que é muito importante para os seres vivos.
 
Para isso, mantivemos um termômetro suspenso no ar da sala até a temperatura estabilizar. Depois, introduzimos o seu bulbo em um recipiente com água e, em seguida, nós o retiramos de lá e acompanhamos o que acontecia com a temperatura, enquanto a película de água, que ficara ao redor do bulbo, evaporava. Não deu outra: a temperatura foi diminuindo. Depois introduzimos o bulbo do termômetro em um recipiente com álcool, e o resultado foi ainda mais impressionante, porque, como o álcool evapora rapidamente, a temperatura indicada no termômetro imediatamente despencou.
 
Com o termômetro na altura dos olhos, Samuel faz a leitura da temperatura.

Moral da história: toda vez que um líquido evapora, ele “rouba” calor do ambiente onde está. No processo de evaporação de um líquido, as moléculas mais agitadas, que se movem muito, portanto, possuem mais energia cinética são as primeiras que escapam à atração das demais (força de coesão entre as moléculas) e vão para o ar circundante. No caso da água ao redor do bulbo do termômetro, as moléculas mais agitadas escaparam e se misturaram ao ar circundante (vapor) e as menos agitadas foram as que ficaram na película de líquido ao redor do bulbo. Dessa forma, o valor médio da energia cinética das moléculas ao redor do bulbo ficou reduzido e, consequentemente, a temperatura também, por isso o líquido esfriou. É essa medida da energia cinética média das moléculas, que os termômetros registram e que denominamos de temperatura. 

Agora dá para entender, porque quando as pessoas saem da piscina sentem frio à medida que a fina camada de água sobre a pele vai evaporando, não é? 

Entre calor e frio intensos:
algumas estratégias de sobrevivência


Expostos às condições ambientais, que podem variar não só de uma estação para outra, como ao longo dos dias, os seres vivos precisaram desenvolver maneiras de conseguir manter a temperatura de seus corpos dentro de certos intervalos, que são próprios de cada espécie, para que as reações químicas necessárias para mantê-los vivos acontecessem sem problemas.

Uma das maneiras é semelhante ao que acontece conosco quando estivermos sentindo frio, após sairmos molhados de uma piscina. Certamente lançaremos mão de um comportamento bastante comum: Buscaremos um lugar ensolarado para nos aquecermos. No inverno também é comum encontrarmos pessoas ao sol, “lagarteando” como se costuma dizer. E sabe por quê? Entre os lagartos esse comportamento é muito comum. Eles ficam ao sol, sempre que precisam se aquecer, porque, como animais ectotermos, dependem de fontes externas de calor para manter a temperatura do corpo adequada. Eles dependem basicamente de comportamentos especiais, como esse de se expor ao sol quando precisam de calor, e de ficar à sombra ou em lugares frescos para evitar superaquecimento. Por terem, em geral, temperaturas inconstantes, também são conhecidos por poiquilotermos (poikilos = variável). 

Outra maneira de não se superaquecer é umedecer o corpo para esfriá-lo por meio da evaporação da água, como aconteceu com a película de líquido (água e álcool) aderida ao bulbo do termômetro ou com o nadador que saiu da piscina.

No caso de animais, como a maioria dos mamíferos e aves terrestres, o calor é gerado no interior dos seus corpos para mantê-los aquecidos, razão de serem denominados endotermos. Por conseguirem manter relativamente estáveis as respectivas temperaturas corporais, ficaram conhecidos também por homeotermos. Nestes casos, além de poderem realizar a termorregulação do corpo por meio de comportamentos, como o fazem os ectotermos, (ex. ficar ao sol ou à sombra; posicionar-se com mais área exposta ou menos área exposta), os animais contam com mecanismos fisiológicos, portanto, próprios do funcionamento de seus corpos.

Um exemplo disso, que acontece conosco e outros mamíferos, é o da contração e dilatação dos finos vasos sanguíneos periféricos, chamados de capilares. Estes, quando contraídos reduzem sua superfície e, dessa forma, também reduzem a perda de calor, calor esse gerado nos tecidos do interior do corpo, e transportado pela corrente sanguínea. Quando esses capilares se dilatam, no entanto, eles aumentam sua superfície e, com isso, perdem mais do calor.

Suar é outra maneira dos corpos esfriarem por meio da vaporização da água que é expelida do interior do corpo através dos poros.  

Algumas invenções preciosas


Depois dessas investigações e explicações sobre o comportamento dos líquidos ao evaporar, relatadas acima, pedi para que os clubistas fossem observar o filtro de argila da nossa sala e colocassem a mão sobre a superfície dele (veja a figura a seguir). 

Amanda verificando a temperatura em um filtro de barro, colocando a mão sobre o compartimento inferior contendo água e comparando depois com o que sentiu ao colocar a mão sobre o compartimento superior, que estava sem água (parede de barro seca).

Esse filtro, que possuí dois compartimentos, estava com água acumulada apenas na parte inferior, porque os clubistas haviam se esquecido de colocar água na parte superior para filtrar.

Ao tocarem o filtro, todos se espantaram com o que sentiram: a parte inferior, com a parede úmida, estava bem fresquinha, exatamente como a água que eles sempre bebiam. A parte superior, no entanto, estava mais quente e com a parede completamente seca.

Tenho certeza de que você que está lendo este relato já matou a charada do que estava acontecendo no filtro da nossa sala. Pois é, a argila, material de que é feito esse tipo de filtro e também as moringas (figura a seguir), têm, entre seus grãos, poros bem minúsculos, que nada mais são do que buraquinhos, nos quais a água tem dificuldade para entrar. Da mesma forma, a água que penetrou nos poros tem dificuldade também para sair. Não fosse assim, a água não ficaria armazenada por longo período de tempo nesses recipientes. Ao sair pelos poros, a água vai evaporando lentamente e, da mesma forma que aconteceu com a película de água no bulbo do termômetro, as moléculas mais agitadas escapam antes, “roubando” calor da moringa, portanto, esfriando a água.

Nas lavouras, por esse Brasil afora, sob o calor de dias ensolarados e trabalho intenso, as moringas eram - e continuam sendo em muitos locais -, de um valor inestimável, usadas pelos lavradores, para saciar a sede com água sempre fresquinha.





Como vocês puderam ver, os conhecimentos sobre átomos, sobre moléculas e seus comportamentos permitem entender e explicar muita coisa que acontece ao nosso redor. Baseando-se neles foi possível ao Homem inventar, por exemplo, os refrigeradores elétricos, que possibilitaram conservar melhor e com mais facilidade, diversos tipos de alimentos. (Veja o vídeo no final deste texto)

Em nome da praticidade e modernidade, muitas e muitas famílias, principalmente de cidades de grande porte, abandonaram as moringas e filtros de barro e passaram a usar, além das geladeiras, as máquinas de filtrar, para ter água fresca e até bastante gelada. Com isso, introduzimos duas mudanças, que talvez não sejam tão boas: bebemos a água geralmente gelada demais para as condições do nosso corpo e gastamos muita energia elétrica para obtê-la, porque os aparelhos ficam ligados diuturnamente e na maior parte do tempo, não os acionamos para obter água .

sábado, 16 de agosto de 2014

O gelo e a vida em um lago profundo
Por Lucia Maria Paleari

Clube de Ciências
Diário de Bordo


                             O gelo e a vida em um lago profundo

Por Lucia Maria Paleari
lpaleari@ibb.unesp.br

 
Depois de conhecer o comportamento peculiar da água  que, diferentemente da maioria dos materiais, se torna menos densa ao passar do estado líquido para o sólido, os integrantes do Clube de Ciências, da EMEF “Dr. João Maria de Araújo Jr.”, de Botucatu, puderam saber quão importante é esse fenômeno para os seres vivos que habitam lagos de regiões temperadas, onde o frio é tão intenso, que faz suas águas transformarem-se em gelo.
Nas imagens abaixo é possível observar as águas do lago Stadtsee, ao sudoeste da Alemanha, onde as temperaturas, do verão ao inverno, oscilam de +30°C a -15°C, respectivamente.


Lago Stadtsee, localizado na cidade Bad Waldsee, estado Baden-Würrtemberg, ao sudoeste da Alemanha:
(A) com água líquida no verão, refletindo as construções e vegetação verde que estão ao lado e
(B) água solidificada no inverno, com plantas cujos ramos perderam as folhas.
(Fotos de Ana-Elvira Monti e Brigitte Sanetra, respectivamente)

Sobre lagos profundos 
na Primavera e no Verão

Os lagos fazem parte do que os ecólogos denominam de ecossistema aquático. Como todo ecossistema, ele é constituído de uma porção não viva (abiótica) e outra composta pelos seres vivos (biótica). A água do lago, assim como o terreno sobre o qual ela se assenta, os minerais e gases dissolvidos entre suas moléculas são os componentes abióticos. Algas, crustáceos, larvas de insetos e peixes, são, por sua vez, os componentes bióticos desse ecossistema.
Como os seres vivos de uma cadeia alimentar dependem dos produtores, vegetais clorofilados que produzem alimento por meio do processo de fotossíntese, em um lago profundo esses seres serão encontrados principalmente no trecho que vai da superfície até aproximadamente 15m de profundidade, porque é esse o trecho, em condições normais, penetrado e aquecido pela luz do sol. Além disso, até cerca de uns 10m, o vento que sopra na superfície provocando ondas, movimenta e areja a água, permitindo a entrada e saída de gases. Assim, as plantas aquáticas podem fazer fotossíntese e, como os animais, respirar e crescer. Elas servirão de alimento a pequenos animais, como crustáceos, que serão alimento de pequenos peixes e estes peixes de outros peixes maiores. Abaixo dessa profundidade a água se mistura muito menos, contém menos ar e permanece mais calma, mais quieta. Nessas regiões mais profundas, por não haver plantas ou serem raras, encontram-se poucos peixes, aqueles que se alimentam de plantas e animais que morrem nas regiões superficiais e vão para o fundo. 

Sobre lagos profundos
no Outono e Inverno

As boas condições à vida começam a mudar com a chegada do outono, quando os raios do sol passam a incidir obliquamente na Terra, que será menos aquecida. Com isso, o lago também será menos aquecido e ficará mais frio. (Veja, abaixo, o vídeo As Estações do Ano).
No post anterior,vimos o que acontece inicialmente com a água ao ser colocada no congelador de uma geladeira: ela esfria e se contrai, porque as moléculas vibram menos e se aproximam umas das outras, e fica mais densa. O mesmo acontecerá com a água da superfície de um lago a partir do outono, nas regiões de inverno rigoroso. Ficando mais densa, portanto mais pesada, a água da superfície irá para o fundo e aquela que lá está, mais quente, será deslocada para a superfície do lago. Veja, a seguir, a representação desse fenômeno. 

Representação do movimento cíclico de desce e sobe de águas mais frias e mais quentes,
de um lago profundo, a partir do outono (imagem adaptada de Brandwein & Burnett, 1970*) 
Se essa movimentação continuasse assim até as temperaturas atingirem valores abaixo de 0°C, toda a água ficaria congelada e todos os seres vivos morreriam. Mas, como vimos no post anterior, a água só ficará mais densa, podendo deslocar-se para o fundo, até atingir 4°C.  Abaixo dessa temperatura, as moléculas da água, devido a estrutura e organização de cada uma delas, irão se arranjar de maneira especial, de forma a ocupar mais espaço. Por conseguinte, a água ficará menos densa. Ora, se a água da porção superficial do lago é a primeira a chegar a 4°C e ficar menos densa do que a do fundo, não poderá descer. Quando enfim, o ar sobre ela chegar a 0°C, temperatura de congelamento da água, o gelo formar-se-á na superfície e nas camadas mais profundas a água permanecerá fria, mas continuará líquida. Observe a figura seguinte e veja como é a distribuição de temperatura em um lago, nessa época do ano.  


Esquema mostrando as diferentes temperaturas da água, no interior de um lago profundo, durante o inverno
(imagem adaptada de Brandwein & Burnett, 1970*).

Resumindo, esse comportamento incomum da água é muito importante, porque o gelo sendo formado de cima para baixo e ficando nas camadas superiores permite que diversos seres vivos aquáticos sobrevivam e hibernem no fundo do lago, até que as condições climáticas favoráveis retornem (primavera-verão) e o gelo derreta, permitindo que a luz penetre e os gases no interior do lago sejam renovados, assim como a vida. Essas mudanças cíclicas, que acontecem ao longo das estações do ano é o que denominamos de sazonalidade. 
As Estações do Ano



* Brandwein, P.F.; Burnett, R.W & Stollberg, R. Biología: La vida – Sus formas y sus câmbios.  México : Publicaciones Cultural S.A, 1970.
Agradecimento muito especial ao Peter Lohr e Drª Edy de Lello Montenegro pelas informações sobre o lago Stadtsee e empenho na obtenção das fotos.


Sugestão:

Se você quiser saber mais sobre outras atividades do Clube de Ciências, acesse os links:
                         
-
 Clube de Ciências Escola municipal "Dr. João Maria de Araújo Jr." - Botucatu 
Um ponto de partida – Por Lucia Maria Paleari
Enfim, o Catavento! – Por Lucia Maria Paleari
- Se não me seguro, eu caio! - Por Lucia Maria Paleari
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Vivendo e aprendendo - Por Lucia Maria Paleari
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Onde há fumaça, há fogo! Será verdade? - Por Lucia Maria Paleari
- Ciência é coisa séria, mas muito prazerosa - Por Lucia Maria Paleari
- Nem tudo que flutua é boia - Por Lucia Maria Paleari

terça-feira, 5 de agosto de 2014

Nem tudo que flutua é boia
Por Lucia Maria Paleari

Clube de Ciências
Diário de Bordo


Nem tudo que flutua é boia
  
Por Lucia Maria Paleari
lpaleari@ibb.unesp.br


As investigações com nitrogênio líquido, e o conhecimento sobre os processos para obtê-lo, que adquirimos durante a visita dos integrantes do Clube de Ciências, da EMEF "Dr. João Maria de Araújo Jr.", ao Centro de Isótopos Estáveis, do Instituto de Biociências, da Unesp, de Botucatu (veja aqui e aqui), foram extremamente interessantes e de extrema importância, para dar suporte à compreensão dos fenômenos que seriam tratados nas atividades subsequentes.

Saber que átomos e moléculas se agitam menos e podem se reunir quando são submetidos a maior pressão ou quando o ambiente esfria. Saber que átomos e moléculas se agitam mais e podem se separar, quando há mais calor ou a pressão à qual estão submetidos for menor. Esses conhecimentos ajudam a entender e explicar muita coisa que acontece bem diante dos nossos olhos e para as quais muitos de nós não nos atentamos. Por exemplo, o pedreiro sabe que precisa deixar um vão em certos locais em paredes de prédios, pontes e entre os ladrilhos de um piso. Sem esses vãos, podem acontecer rachaduras devido a dilatação dos materiais por causa do calor, que faz com que as moléculas vibrem mais e se expandam. Pela mesma razão, é preciso obedecer a certos procedimentos na construção de máquinas, na colocação de trilhos de trens etc.

Essa nova visão sobre o comportamento da matéria parecia satisfatória para os clubistas, até que um novo desafio lhes foi proposto, como trabalho para ser realizado em casa: encher um copo com água até a borda, colocar no congelador e, a cada meia hora, observar atentamente o referido copo, até toda a água congelar.

Novo encontro com os clubistas, momento de relatar as observações e procurar explicar o que haviam observado em casa. Infelizmente, poucos atenderam à solicitação. Destes, apenas um, mais cuidadoso observador, conseguiu perceber duas situações especiais que ocorreram. Ele percebeu que quando a água ficou mais fria, pouco tempo depois de colocada no congelador, apareceu um espaço muito estreito entre a superfície da água e a borda do copo. A outra observação, que mais dois clubistas conseguiram fazer, foi que, depois de congelada, a água que estava dentro do copo havia ultrapassado um pouquinho a sua borda.

O que teria acontecido com a água durante o tempo em que ficara no congelador dentro do copo? Ela teria se contraído e depois se expandido? Será? Essa foi uma das hipóteses aventadas. A outra hipótese foi das observações terem sido feitas sem o devido cuidado.

Afinal, se sob frio as moléculas  se aproximam, como então a água poderia ocupar mais espaço, indo para fora do copo?

Para obtermos uma resposta a esse impasse criado, precisávamos repetir a experimentação de maneira simples, rápida e eficiente. Assim todos os clubistas, inclusive aqueles que não fizeram o trabalho de casa, teriam a oportunidade de conhecer um comportamento bastante peculiar da água. Para isso, construí um material didático bem fácil de ser feito e utilizado, que será descrito a seguir, para elucidar as dúvidas que haviam surgiram.

A Experiência

 Material:
- Um Tubo de Eppendorf de 2,5ml.
- Um tubinho de plástico retirado do interior de uma caneta esferográfica, depois de ter sido deixado totalmente vazio, sem qualquer resquício de tinta.
- Suporte para que o eppendorf fique na vertical, já que sua base é curva. Esse suporte pode ser um recipiente de plástico, cuja altura seja menor do que a do eppendorf, para não atrapalhar as observações, ou uma tampa na qual se deve fazer um orifício central para introduzir o eppendorf. Essa tampa só deve tocar uma superfície plana pela borda lateral, como na tampa da figura I, para que a base do eppendorf, introduzido no orifício central dela, fique suspensa e a montagem estável.

Preparo:
Corte a articulação da tampa do eppendorf. Em seguida, faça um orifício no centro dessa tampa, cuidando para que o diâmetro seja ligeiramente menor do que o do tubinho da caneta, para que ele passe por ali com bastante dificuldade e fique muito bem preso. Introduza o tubinho da caneta nesse orifício até que sua extremidade atinja, aproximadamente, a metade do eppendorf. Tome cuidado para que o tubinho não dobre, quando você forçar a sua passagem pelo orifício da tampa.

Finalizando os preparativos:
Coloque água até a borda do eppendorf. Introduza, cuidadosamente, o tubinho nessa água até que a tampa do eppendorf, à qual ele foi acoplado, possa ser fechada (com o encaixe dela no tubo, ouve-se um clic). Quando esse procedimento é executado corretamente, parte da água que está no interior do eppendorf sobe pelo tubinho de plástico, até atingir um determinado nível, na porção que fica acima da tampa. Com uma caneta de ponta fina, dessas usadas para escrever em CD, marque o nível que a água (NA) atingiu dentro do tubinho (Figura I, Imagem A). Feito isso, leve o conjunto para dentro de um congelador, que em seguida deve ser fechado, assim como a geladeira e aguarde por cinco minutos.

Observação de fenômenos
muito importantes

Passados os cinco minutos, abra o congelador e observe o nível da água no tubinho de plástico. Ele deve ter ficado como a imagem B, da figura I. Esse novo nível abaixo da marca feita com a caneta, confirma a contração da água.

O comportamento das moléculas de água nessa primeira parte do experimento, foi semelhante ao das moléculas de nitrogênio (veja aqui), que já havíamos investigado anteriormente. Com o frio, elas reduziram a movimentação e se aproximaram um pouco mais umas das outras, ocupando um espaço menor.

Na segunda parte do experimento, depois de fechado novamente o congelador, a observação deve ser realizada, após 15min ou 20min. Nesse momento, você verá que o nível da água do tubinho ficou acima da marcação feita inicialmente com a caneta, como se pode verificar na imagem C da figura I. Portanto, a água, surpreendentemente, porque diferente do esperado, realmente se expande, como dois dos clubistas haviam observado.


Figura I
Figura I - Congelamento da água:
(Imagem A) Marcação, com traço azul, do Nível da Água - NA - líquida no tubinho à temperatura ambiente de aproximadamente 28°C; (Imagem B) nível da água líquida resfriada – contração; (Imagem C) nível da água congelada – expansão; (Imagem D) água congelada (gelo) boiando, devido a sua densidade ser menor do que a da água líquida.
Infelizmente, não dispúnhamos de um termômetro para verificar a que temperatura acontecia esse comportamento especial da água, de expandir-se ao continuar esfriando. No entanto, consultando bons livros, é possível saber que as moléculas de água vão se aproximando umas das outras até o termômetro registrar 4 graus Celsius (4°C). Abaixo dessa temperatura, as moléculas, ao invés de se aproximarem mais umas das outras, se arranjam de um jeito especial e a água passa a ocupar mais espaço, a expandir, como nos mostra a figura II, abaixo.

Figura II

Figura II - Representação das moléculas de água em diferentes temperaturas (adaptada de Paleari e Chiarelli*):
 À esquerda mais quente, à direita mais fria. Observe que dentro do espaço marcado com traço preto, correspondente a um copo, há menos matéria no estado sólido (água menos densa) do que quando ela atinge 4°C (água mais densa).  

Isso significa que abaixo de 4°C, até congelar, a água fica mais leve. Por essa razão, o gelo se forma de cima para baixo e flutua sobre a água líquida (Veja imagem D, da figura I).

Essas peculiaridades da água são fundamentais para que os seres vivos, que habitam lagos de grandes profundidades, tenham chance de sobreviver ao inverno rigoroso de regiões temperadas, quando as temperaturas caem bem abaixo de zero grau Celsius e as superfícies dos lagos ficam congeladas. Sobre esse assunto falaremos no próximo post.


* Paleari, L. M. e Chiarelli, A. Por que o gelo flutua? São Paulo: Fundação Editora Unesp, 2000.


Sugestão:

Se você quiser saber mais sobre outras atividades do Clube de Ciências, acesse os links:
                         
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 Clube de Ciências Escola municipal "Dr. João Maria de Araújo Jr." - Botucatu 
Um ponto de partida – Por Lucia Maria Paleari
Enfim, o Catavento! – Por Lucia Maria Paleari
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quarta-feira, 25 de junho de 2014

Ciência é coisa séria, mas muito prazerosa
Por Lucia Maria Paleari

Clube de Ciências

Diário de Bordo
Visita ao Centro de Isótopos Estáveis de Botucatu
Nitrogênio líquido – Segunda parte


Ciência é coisa séria, mas muito prazerosa
  
Por Lucia Maria Paleari
lpaleari@ibb.unesp.br


No post anterior mencionei o quanto foi importante a visita que fizemos ao Centro de Isótopos Estáveis do Instituto de Biociências, da Unesp, Botucatu. Neste post, detalharei o que os participantes do Clube de Ciências da EMEF “Dr. João Maria de Araújo Jr.” viram e aprenderam por lá.

Na hora marcada, chegamos animados para essa visita. Fomos recebidos pelo Dr. Carlos Ducatti, grande entusiasta e supervisor dos trabalhos que são realizados no local. Sem delongas e com extrema boa vontade, ele nos levou a uma sala de conferências. Com imagens, esquemas e gráficos, acompanhados de explicações valiosas, um mundo novo e muito interessante nos foi apresentado.


Os clubistas visitam o Centro de Isótopos Estáveis do Instituto de Biociências de Botucatu (Unesp),
acompanhados do Professor Ducatti.


Átomos: Seus componentes e propriedades

Os adolescentes aprenderam que os átomos de um mesmo elemento químico podem não ser todos iguais e que os conhecimentos científicos sobre esse assunto podem ter aplicações e implicações práticas, dignas de um Sherlock Homes.

No núcleo dos átomos estão reunidas as partículas com carga positiva, denominadas de prótons, e as partículas sem carga, conhecidas por nêutrons.

O número atômico de um átomo, que é o seu número de prótons somado ao seu número de nêutrons, nos dá a massa atômica desse átomo, já que a massa do elétron é ínfima e desprezível nesse caso. Acontece que o número de nêutrons pode variar e, sendo assim, átomos de um mesmo elemento químico, portanto, que têm igual número atômico, poderão ter massas atômicas diferentes. Esses são os conhecidos Isótopos (isos, de origem grega, quer dizer igual e topos, quer dizer lugar). Isso significa que apesar de terem números de nêutrons diferentes, todos os átomos variantes de um determinado elemento químico, que têm, portanto, o mesmo número de prótons, ocupam o mesmo local na  tabela periódica. Na Natureza, alguns desses isótopos podem ser radioativos e outros não. Os isótopos não radioativos são denominados de isótopos estáveis


O átomo de Carbono como exemplo

O átomo de Carbono (C) mais comum na Natureza tem 6 prótons no núcleo (número atômico = 6), e sua massa atômica é 12 (12C). No entanto, há átomos de Carbono menos comuns do que esse, que têm 7 nêutrons e, por isso, sua massa atômica é 13 (13C). Ambos são normalmente estáveis, portanto, não são radioativos, como o é o Carbono que possui 8 neutros e, consequentemente, massa atômica 14 (14C).

Diversos tipos de átomos como o Hidrogênio (H), Oxigênio (O), Nitrogênio (N) e o Enxofre (S), também possuem isótopos estáveis que, assim como os de Carbono, se encontram na Natureza em proporções diferentes, que podem ser calculadas com o auxílio de equipamentos especiais.

Plantas do grupo das gramíneas tropicais, tais como o milho e a cana de açúcar, quando realizam o processo de fotossíntese , por meio do qual fabricam o alimento (glicose), absorvem mais gás carbônico (CO2) composto do isótopo de Carbono de massa atômica 13 (13C), do que CO2 com Carbono de massa atômica 12 (12C). Durante esse processo de fotossíntese, o Carbono, proveniente do CO2, é fixado resultando uma substância composta de quatro átomos de carbono. Por isso, essas plantas são conhecidas como plantas C4.

Outras plantas, como as laranjeiras, videiras, eucaliptos etc. foram denominadas plantas C3, porque ao realizar a fotossíntese elas produzem uma substância composta por 3 átomos de carbono. Diferente das plantas C4, as plantas C3 absorvem, durante a fotossíntese, mais CO2 composto de Carbono de massa atômica 12 (12C), do que CO2 composto de Carbono de massa atômica 13 (13C).

Existem também plantas que vivem em ambientes com pouca água disponível, como os cactos (grupo das plantas suculentas), as bromélias, as orquídeas epífitas (fixam-se em ramos e troncos de árvores), entre outras, que desenvolveram processos especiais para fixar o Carbono, de maneira a evitar a perda de água. Estas plantas são conhecidas como plantas-CAM (Metabolismo Ácido das Crassuláceas). À noite elas podem fixar o Carbono, proveniente do gás carbônico (CO2), primeiramente em molécula de quatro átomos de carbono, que será usada depois durante o dia. No entanto, essas plantas podem também, quando há água disponível, se comportar como planta C3 e fixar inicialmente o Carbono do CO2 em molécula com três átomos de Carbono. 


O mel é puro, ou é pura tapeação (adulteração)?

Na Natureza os isótopos estáveis de cada elemento químico se encontram em certa proporção, que é possível calcular com o auxílio de equipamentos especiais. E como é dificílimo medir a quantidade total de um isótopo, como o de Carbono, por exemplo, para saber qual a origem de certo produto, calcula-se a relação entre o isótopo mais pesado e o mais leve (13C/12C) e compara-se com o valor da proporção desses isótopos em um material padrão, usado por pesquisadores do mundo todo. 

Agora, imagine se ao analisar uma amostra de mel, em cujo rótulo está escrito que é de flor de laranjeira, o pesquisador obtiver um valor maior do que o esperado ao calcular a proporção 13C/12C. Isso significa que, naquele mel, há proporcionalmente mais 13C do que 12C. Portanto, o material analisado, se mel for poderá ser de néctar de flores de cana, mas é quase certo que deve ter sido “batizado” com melaço. Isso porque, para ser mel de flor de laranjeira, que é uma planta C3, ele deveria ter mais 12C do que 13C, o que resultaria em um valor mais baixo ao calcular a proporção 13C/12C.
Dessa mesma maneira, também é possível saber se vinho, cerveja e néctares de frutas, por exemplo, estão adulterados.
O princípio geral para detectar a quantidade de isótopo é esse, porém, há situações em que se faz necessário acrescentar, aos resultados do estudo que se desenvolve com um certo isótopo, resultados de investigação complementar com outro tipo isótopo* ou acrescentar conhecimentos específicos do animal ou planta em estudo, para entender certos fenômenos.

Fazendo amigos

Assim que saímos da sala de conferências para onde o Dr. Carlos Ducatti havia nos levado, foi possível conversar com alunos de pós-graduação que desenvolviam suas pesquisas naquele Centro. Muito satisfeitos com os trabalhos que realizavam, aqueles pós-graduandos falaram da importância de sempre aliar à curiosidade, muito estudo. Só dessa forma é possível investigar com propriedade, ter o prazer de entender bem sobre muitos assuntos e fazer novas descobertas.

Dois alunos de pós-graduação contando sobre suas experiências; à direita, uma aluna 
recém-chegada do exterior, falando sobre o valor de se estabelecer
 parcerias para a realização dos trabalhos.


A bactéria Helicobacter pylori

Os clubistas visitaram todos os espaços do Centro de Isótopos Estáveis e conheceram várias pesquisas que estão sendo realizadas por lá. Ficaram empolgados com o método que simplificou muito a maneira de diagnosticar se uma pessoa tem a bactéria Helicobacter pylori , aquela que provoca úlcera e que também está associada a câncer de estômago e duodeno. Essa bactéria é um problema de saúde pública em países em desenvolvimento, nos quais as condições de higiene são precárias. Crianças que levam mãos e objetos sujos à boca estão sujeitas a ser infectadas por esse microorganismo, que se instala no estômago e ali fica alojado, podendo causar problemas imediatos ou apenas quando a pessoa já for adulta. Exames comuns para diagnosticar a presença da H. pylori são muito invasivos.  No entanto, conhecendo a biologia dessa bactéria e um pouco de química, foi possível desenvolver um método bem mais simples e não traumático para o paciente.


Descobriu-se, depois de muito estudo, que essa bactéria produz uma enzima que não existe normalmente no estômago, a urease, que transforma uma substância denominada de ureia em amônia e gás carbônico (CO2). Sabendo disso, pesquisadores testaram um método que deu certo. A pessoa a ser diagnosticada assopra por um canudinho em um recipiente. O carbono do gás carbônico (CO2) que foi para esse recipiente é armazenado e será analisado em um equipamento específico, para saber o valor da proporção 13C/12C. Em outra etapa dos trabalhos para realizar o diagnóstico, a pessoa ingere ureia composta do isótopo 13C (ureia marcada). Depois de 15 minutos, ela assopra novamente por um canudinho em outro recipiente, cujo conteúdo de CO2 também será analisado no mesmo equipamento específico. Se a razão entre 13C/12C aumentar, significa que o gás carbônico está com mais isótopo 13C do que o esperado. Isso quer dizer que a bactéria está presente no estômago daquela pessoa, porque a ureia marcada com o isótopo 13C foi transformada pela urease que a bactéria produz, resultando gás carbônico marcado (13CO2), que foi para o pulmão pela corrente sanguínea**.

Conhecendo laboratórios, equipamentos, técnicas e pesquisas realizadas no
 Centro de Isótopos Estáveis do Instituto de Biociências de Botucatu, Unesp.


A produção de Nitrogênio líquido

Depois de lanchar e de serem apresentados a outros resultados de pesquisas que são realizadas ali no Centro de Isótopos Estáveis (CIE), chegou o momento de conhecer como é produzido o nitrogênio líquido, que desencadeou as investigações sobre comportamento de átomos e moléculas no Clube de Ciências.

Evandro, o funcionário que orientou esta etapa da visita, ia começar a mostrar e explicar o funcionamento do equipamento responsável pela produção do nitrogênio líquido, quando um dos clubistas, o Gustavo, pediu para arriscar uma explicação, com base nos conhecimentos que adquirira a partir das nossas investigações iniciais. Evandro ouviu-o, com muita atenção, explicar que o nitrogênio existente no ar entrava na máquina, e devia ser levado para um lugar muito frio para fazer as moléculas vibrarem menos e se aproximarem uma das outras, até o nitrogênio, que estava sob a forma de gás, se transformar em líquido. Evandro concordou com a explicação dada pelo Gustavo, mas informou alguns detalhes que os clubistas ainda não conheciam. Ele lhes falou que naquele equipamento que estavam conhecendo, havia um tipo de peneira que filtra o ar atmosférico e retira dele apenas o nitrogênio que será liquefeito, com o uso de baixíssima temperatura e alta pressão.

Para mim foi muito especial presenciar a atitude do Gustavo, de querer por a prova seus conhecimentos e de ter feito isso com tanta propriedade. É sempre muito gratificante constatar o interesse e envolvimento de nossos alunos com o mundo das ideias.

Ao final, com a cumplicidade do Evandro, os clubistas divertiram-se no pátio do estacionamento com o nitrogênio líquido, que, ao ser espalhado pelo asfalto, transformou-se em gás novamente, envolvendo-os em uma “nuvem de fumaça”, cena que pode ser vista na figura abaixo e também no início do post Onde há fumaça, há fogo?.



Evandro e os clubistas: no laboratório, medindo a temperatura do nitrogênio líquido com um termômetro digital; conhecendo o equipamento e o processo por meio dos quais se obtém nitrogênio líquido e no estacionamento, divertindo-se com a
 transformação do nitrogênio líquido novamente em gás


Para encerrar essa visita tão especial...

... e que deixou muitos adolescentes extremamente entusiasmados, o Professor Ducatti abriu sua sala, mostrou seus livros, conversou com todos sobre a importância da Ciência para a humanidade e sobre a necessidade de dedicação ao estudo para conseguir ser cientista de alto nível.

Clubistas na sala do Professor Ducatti 


Essa foi uma oportunidade e tanto para todos nós.
Só nos resta agradecer ao Professor Ducatti e a todos os técnicos e alunos de pós-graduação que, além de anfitriões muito gentis, mostraram que é necessário e muito prazeroso estudar para adquirir conhecimento. Só com conhecimento é possível ser um profissional respeitável, capaz de vencer desafios científicos e tecnológicos, bem como ser capaz de compreender o mundo ao redor e agir com consciência e autonomia.

  
Leitura complementar para professores e alunos de graduação:

* Isótopos estáveis em estudos ecológicos: métodos,aplicações e perspectivas

** Uso de Isótopos Estáveis para detecção de infecção por Helicobacter pylori em humanos no Brasil


Sugestão:
Se você quiser saber mais sobre outras atividades do Clube de Ciências, acesse os links:
                         
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 Clube de Ciências Escola municipal "Dr. João Maria de Araújo Jr." - Botucatu