sábado, 16 de agosto de 2014

O gelo e a vida em um lago profundo
Por Lucia Maria Paleari

Clube de Ciências
Diário de Bordo


                             O gelo e a vida em um lago profundo

Por Lucia Maria Paleari
lpaleari@ibb.unesp.br

 
Depois de conhecer o comportamento peculiar da água  que, diferentemente da maioria dos materiais, se torna menos densa ao passar do estado líquido para o sólido, os integrantes do Clube de Ciências, da EMEF “Dr. João Maria de Araújo Jr.”, de Botucatu, puderam saber quão importante é esse fenômeno para os seres vivos que habitam lagos de regiões temperadas, onde o frio é tão intenso, que faz suas águas transformarem-se em gelo.
Nas imagens abaixo é possível observar as águas do lago Stadtsee, ao sudoeste da Alemanha, onde as temperaturas, do verão ao inverno, oscilam de +30°C a -15°C, respectivamente.


Lago Stadtsee, localizado na cidade Bad Waldsee, estado Baden-Würrtemberg, ao sudoeste da Alemanha:
(A) com água líquida no verão, refletindo as construções e vegetação verde que estão ao lado e
(B) água solidificada no inverno, com plantas cujos ramos perderam as folhas.
(Fotos de Ana-Elvira Monti e Brigitte Sanetra, respectivamente)

Sobre lagos profundos 
na Primavera e no Verão

Os lagos fazem parte do que os ecólogos denominam de ecossistema aquático. Como todo ecossistema, ele é constituído de uma porção não viva (abiótica) e outra composta pelos seres vivos (biótica). A água do lago, assim como o terreno sobre o qual ela se assenta, os minerais e gases dissolvidos entre suas moléculas são os componentes abióticos. Algas, crustáceos, larvas de insetos e peixes, são, por sua vez, os componentes bióticos desse ecossistema.
Como os seres vivos de uma cadeia alimentar dependem dos produtores, vegetais clorofilados que produzem alimento por meio do processo de fotossíntese, em um lago profundo esses seres serão encontrados principalmente no trecho que vai da superfície até aproximadamente 15m de profundidade, porque é esse o trecho, em condições normais, penetrado e aquecido pela luz do sol. Além disso, até cerca de uns 10m, o vento que sopra na superfície provocando ondas, movimenta e areja a água, permitindo a entrada e saída de gases. Assim, as plantas aquáticas podem fazer fotossíntese e, como os animais, respirar e crescer. Elas servirão de alimento a pequenos animais, como crustáceos, que serão alimento de pequenos peixes e estes peixes de outros peixes maiores. Abaixo dessa profundidade a água se mistura muito menos, contém menos ar e permanece mais calma, mais quieta. Nessas regiões mais profundas, por não haver plantas ou serem raras, encontram-se poucos peixes, aqueles que se alimentam de plantas e animais que morrem nas regiões superficiais e vão para o fundo. 

Sobre lagos profundos
no Outono e Inverno

As boas condições à vida começam a mudar com a chegada do outono, quando os raios do sol passam a incidir obliquamente na Terra, que será menos aquecida. Com isso, o lago também será menos aquecido e ficará mais frio. (Veja, abaixo, o vídeo As Estações do Ano).
No post anterior,vimos o que acontece inicialmente com a água ao ser colocada no congelador de uma geladeira: ela esfria e se contrai, porque as moléculas vibram menos e se aproximam umas das outras, e fica mais densa. O mesmo acontecerá com a água da superfície de um lago a partir do outono, nas regiões de inverno rigoroso. Ficando mais densa, portanto mais pesada, a água da superfície irá para o fundo e aquela que lá está, mais quente, será deslocada para a superfície do lago. Veja, a seguir, a representação desse fenômeno. 

Representação do movimento cíclico de desce e sobe de águas mais frias e mais quentes,
de um lago profundo, a partir do outono (imagem adaptada de Brandwein & Burnett, 1970*) 
Se essa movimentação continuasse assim até as temperaturas atingirem valores abaixo de 0°C, toda a água ficaria congelada e todos os seres vivos morreriam. Mas, como vimos no post anterior, a água só ficará mais densa, podendo deslocar-se para o fundo, até atingir 4°C.  Abaixo dessa temperatura, as moléculas da água, devido a estrutura e organização de cada uma delas, irão se arranjar de maneira especial, de forma a ocupar mais espaço. Por conseguinte, a água ficará menos densa. Ora, se a água da porção superficial do lago é a primeira a chegar a 4°C e ficar menos densa do que a do fundo, não poderá descer. Quando enfim, o ar sobre ela chegar a 0°C, temperatura de congelamento da água, o gelo formar-se-á na superfície e nas camadas mais profundas a água permanecerá fria, mas continuará líquida. Observe a figura seguinte e veja como é a distribuição de temperatura em um lago, nessa época do ano.  


Esquema mostrando as diferentes temperaturas da água, no interior de um lago profundo, durante o inverno
(imagem adaptada de Brandwein & Burnett, 1970*).

Resumindo, esse comportamento incomum da água é muito importante, porque o gelo sendo formado de cima para baixo e ficando nas camadas superiores permite que diversos seres vivos aquáticos sobrevivam e hibernem no fundo do lago, até que as condições climáticas favoráveis retornem (primavera-verão) e o gelo derreta, permitindo que a luz penetre e os gases no interior do lago sejam renovados, assim como a vida. Essas mudanças cíclicas, que acontecem ao longo das estações do ano é o que denominamos de sazonalidade. 
As Estações do Ano



* Brandwein, P.F.; Burnett, R.W & Stollberg, R. Biología: La vida – Sus formas y sus câmbios.  México : Publicaciones Cultural S.A, 1970.
Agradecimento muito especial ao Peter Lohr e Drª Edy de Lello Montenegro pelas informações sobre o lago Stadtsee e empenho na obtenção das fotos.


Sugestão:

Se você quiser saber mais sobre outras atividades do Clube de Ciências, acesse os links:
                         
-
 Clube de Ciências Escola municipal "Dr. João Maria de Araújo Jr." - Botucatu 
Um ponto de partida – Por Lucia Maria Paleari
Enfim, o Catavento! – Por Lucia Maria Paleari
- Se não me seguro, eu caio! - Por Lucia Maria Paleari
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Vivendo e aprendendo - Por Lucia Maria Paleari
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Onde há fumaça, há fogo! Será verdade? - Por Lucia Maria Paleari
- Ciência é coisa séria, mas muito prazerosa - Por Lucia Maria Paleari
- Nem tudo que flutua é boia - Por Lucia Maria Paleari

terça-feira, 5 de agosto de 2014

Nem tudo que flutua é boia
Por Lucia Maria Paleari

Clube de Ciências
Diário de Bordo


Nem tudo que flutua é boia
  
Por Lucia Maria Paleari
lpaleari@ibb.unesp.br


As investigações com nitrogênio líquido, e o conhecimento sobre os processos para obtê-lo, que adquirimos durante a visita dos integrantes do Clube de Ciências, da EMEF "Dr. João Maria de Araújo Jr.", ao Centro de Isótopos Estáveis, do Instituto de Biociências, da Unesp, de Botucatu (veja aqui e aqui), foram extremamente interessantes e de extrema importância, para dar suporte à compreensão dos fenômenos que seriam tratados nas atividades subsequentes.

Saber que átomos e moléculas se agitam menos e podem se reunir quando são submetidos a maior pressão ou quando o ambiente esfria. Saber que átomos e moléculas se agitam mais e podem se separar, quando há mais calor ou a pressão à qual estão submetidos for menor. Esses conhecimentos ajudam a entender e explicar muita coisa que acontece bem diante dos nossos olhos e para as quais muitos de nós não nos atentamos. Por exemplo, o pedreiro sabe que precisa deixar um vão em certos locais em paredes de prédios, pontes e entre os ladrilhos de um piso. Sem esses vãos, podem acontecer rachaduras devido a dilatação dos materiais por causa do calor, que faz com que as moléculas vibrem mais e se expandam. Pela mesma razão, é preciso obedecer a certos procedimentos na construção de máquinas, na colocação de trilhos de trens etc.

Essa nova visão sobre o comportamento da matéria parecia satisfatória para os clubistas, até que um novo desafio lhes foi proposto, como trabalho para ser realizado em casa: encher um copo com água até a borda, colocar no congelador e, a cada meia hora, observar atentamente o referido copo, até toda a água congelar.

Novo encontro com os clubistas, momento de relatar as observações e procurar explicar o que haviam observado em casa. Infelizmente, poucos atenderam à solicitação. Destes, apenas um, mais cuidadoso observador, conseguiu perceber duas situações especiais que ocorreram. Ele percebeu que quando a água ficou mais fria, pouco tempo depois de colocada no congelador, apareceu um espaço muito estreito entre a superfície da água e a borda do copo. A outra observação, que mais dois clubistas conseguiram fazer, foi que, depois de congelada, a água que estava dentro do copo havia ultrapassado um pouquinho a sua borda.

O que teria acontecido com a água durante o tempo em que ficara no congelador dentro do copo? Ela teria se contraído e depois se expandido? Será? Essa foi uma das hipóteses aventadas. A outra hipótese foi das observações terem sido feitas sem o devido cuidado.

Afinal, se sob frio as moléculas  se aproximam, como então a água poderia ocupar mais espaço, indo para fora do copo?

Para obtermos uma resposta a esse impasse criado, precisávamos repetir a experimentação de maneira simples, rápida e eficiente. Assim todos os clubistas, inclusive aqueles que não fizeram o trabalho de casa, teriam a oportunidade de conhecer um comportamento bastante peculiar da água. Para isso, construí um material didático bem fácil de ser feito e utilizado, que será descrito a seguir, para elucidar as dúvidas que haviam surgiram.

A Experiência

 Material:
- Um Tubo de Eppendorf de 2,5ml.
- Um tubinho de plástico retirado do interior de uma caneta esferográfica, depois de ter sido deixado totalmente vazio, sem qualquer resquício de tinta.
- Suporte para que o eppendorf fique na vertical, já que sua base é curva. Esse suporte pode ser um recipiente de plástico, cuja altura seja menor do que a do eppendorf, para não atrapalhar as observações, ou uma tampa na qual se deve fazer um orifício central para introduzir o eppendorf. Essa tampa só deve tocar uma superfície plana pela borda lateral, como na tampa da figura I, para que a base do eppendorf, introduzido no orifício central dela, fique suspensa e a montagem estável.

Preparo:
Corte a articulação da tampa do eppendorf. Em seguida, faça um orifício no centro dessa tampa, cuidando para que o diâmetro seja ligeiramente menor do que o do tubinho da caneta, para que ele passe por ali com bastante dificuldade e fique muito bem preso. Introduza o tubinho da caneta nesse orifício até que sua extremidade atinja, aproximadamente, a metade do eppendorf. Tome cuidado para que o tubinho não dobre, quando você forçar a sua passagem pelo orifício da tampa.

Finalizando os preparativos:
Coloque água até a borda do eppendorf. Introduza, cuidadosamente, o tubinho nessa água até que a tampa do eppendorf, à qual ele foi acoplado, possa ser fechada (com o encaixe dela no tubo, ouve-se um clic). Quando esse procedimento é executado corretamente, parte da água que está no interior do eppendorf sobe pelo tubinho de plástico, até atingir um determinado nível, na porção que fica acima da tampa. Com uma caneta de ponta fina, dessas usadas para escrever em CD, marque o nível que a água (NA) atingiu dentro do tubinho (Figura I, Imagem A). Feito isso, leve o conjunto para dentro de um congelador, que em seguida deve ser fechado, assim como a geladeira e aguarde por cinco minutos.

Observação de fenômenos
muito importantes

Passados os cinco minutos, abra o congelador e observe o nível da água no tubinho de plástico. Ele deve ter ficado como a imagem B, da figura I. Esse novo nível abaixo da marca feita com a caneta, confirma a contração da água.

O comportamento das moléculas de água nessa primeira parte do experimento, foi semelhante ao das moléculas de nitrogênio (veja aqui), que já havíamos investigado anteriormente. Com o frio, elas reduziram a movimentação e se aproximaram um pouco mais umas das outras, ocupando um espaço menor.

Na segunda parte do experimento, depois de fechado novamente o congelador, a observação deve ser realizada, após 15min ou 20min. Nesse momento, você verá que o nível da água do tubinho ficou acima da marcação feita inicialmente com a caneta, como se pode verificar na imagem C da figura I. Portanto, a água, surpreendentemente, porque diferente do esperado, realmente se expande, como dois dos clubistas haviam observado.


Figura I
Figura I - Congelamento da água:
(Imagem A) Marcação, com traço azul, do Nível da Água - NA - líquida no tubinho à temperatura ambiente de aproximadamente 28°C; (Imagem B) nível da água líquida resfriada – contração; (Imagem C) nível da água congelada – expansão; (Imagem D) água congelada (gelo) boiando, devido a sua densidade ser menor do que a da água líquida.
Infelizmente, não dispúnhamos de um termômetro para verificar a que temperatura acontecia esse comportamento especial da água, de expandir-se ao continuar esfriando. No entanto, consultando bons livros, é possível saber que as moléculas de água vão se aproximando umas das outras até o termômetro registrar 4 graus Celsius (4°C). Abaixo dessa temperatura, as moléculas, ao invés de se aproximarem mais umas das outras, se arranjam de um jeito especial e a água passa a ocupar mais espaço, a expandir, como nos mostra a figura II, abaixo.

Figura II

Figura II - Representação das moléculas de água em diferentes temperaturas (adaptada de Paleari e Chiarelli*):
 À esquerda mais quente, à direita mais fria. Observe que dentro do espaço marcado com traço preto, correspondente a um copo, há menos matéria no estado sólido (água menos densa) do que quando ela atinge 4°C (água mais densa).  

Isso significa que abaixo de 4°C, até congelar, a água fica mais leve. Por essa razão, o gelo se forma de cima para baixo e flutua sobre a água líquida (Veja imagem D, da figura I).

Essas peculiaridades da água são fundamentais para que os seres vivos, que habitam lagos de grandes profundidades, tenham chance de sobreviver ao inverno rigoroso de regiões temperadas, quando as temperaturas caem bem abaixo de zero grau Celsius e as superfícies dos lagos ficam congeladas. Sobre esse assunto falaremos no próximo post.


* Paleari, L. M. e Chiarelli, A. Por que o gelo flutua? São Paulo: Fundação Editora Unesp, 2000.


Sugestão:

Se você quiser saber mais sobre outras atividades do Clube de Ciências, acesse os links:
                         
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 Clube de Ciências Escola municipal "Dr. João Maria de Araújo Jr." - Botucatu 
Um ponto de partida – Por Lucia Maria Paleari
Enfim, o Catavento! – Por Lucia Maria Paleari
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Vivendo e aprendendo - Por Lucia Maria Paleari
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