sábado, 12 de novembro de 2016

Princípios da Digestão
Parte II - Proteína
Por Lucia Maria Paleari

Clube de Ciências
Diário de Bordo



Princípios da Digestão 
 Parte II - Proteína

Lucia Maria Paleari
lpaleari@ibb.unesp.br

Dando continuidade ao estudo da digestão, cuja primeira parte foi relatada no post anterior, sobre a digestão do amido, os alunos do Clube de Ciências da EMEF "Dr. João Maria de Araújo Jr.", de Botucatu, investigaram a ação do suco de abacaxi na albumina, proteína existente da clara de ovo.

Desta vez, como recipientes para receber os conteúdos a serem estudados, foram utilizados pires pequenos, no Clube de Ciências. Porém, para as ilustrações deste post, como as imagens obtidas não estavam satisfatórias, decidi repetir o experimento em casa, utilizando xícaras das de café, com o interior pintado em preto fosco, de forma a favorecer o contraste com a clara de ovo cozida e, consequentemente, a visualização dos resultados. Essas xícaras, a partir de agora, serão referidas apenas como recipientes, e o que for narrado reproduzirá exatamente o que aconteceu nos trabalhos realizados no Clube de Ciências.

O experimento foi dividido em duas etapas.


Primeira Etapa

Em dois recipientes foram colocados cubos de clara de ovo cozida em contato com suco de abacaxi também cozido. No recipiente “A”, foi colocado um cubo com, aproximadamente, 1cm de lado, e no recipiente “Aa”, oito cubos menores, de, aproximadamente, 0,5 cm de lado, como pode ser visto na Figura 1.


Figura 1 – Recipientes contendo suco de abacaxi cozido + cubos de clara de ovo cozida: (A) um cubo de clara de ovo com,
aproximadamente, 1 cm de lado; (Aa) oito cubos  com 0,5 cm de lado.


Segunda Etapa

Em outros dois recipientes, foram colocadas a clara de ovo cozida, também nos tamanhos de 1cm (recipiente “B”) e 0,5cm (recipiente “Bb” ) de lado, em contato com suco de abacaxi natural, como nos mostra a Figura 2.


Figura 2 – Recipientes contendo suco de abacaxi natural + cubos de clara de ovo cozida: 
(B) um cubo de clara de ovo com, aproximadamente, 1 cm de lado; (Bb) oito cubos  com 0,5 cm de lado.

Ao final dessas duas etapas os recipientes foram cobertos com papel manteiga, e mantidos dessa maneira, sem qualquer interferência, até as observações serem efetuadas.


Quarenta e oito horas depois...

Os clubistas estavam bastante ansiosos para saber o que teria acontecido com os pedaços de clara de ovo, depois de 48 horas do início do experimento (Em dias mais quentes, esse tempo pode ser reduzido pela metade e, ainda assim, haverá boa visualização dos resultados)

Com cuidado, os clubistas fizeram as primeiras observações, que foram registradas nos seus respectivos cadernos. De início deveriam verificar o aspecto geral dos pedaços de clara de ovo, fazendo dois tipos de comparação: a) aspecto dos pedaços que estavam no suco de abacaxi cozido, com o daqueles que estavam no suco de abacaxi natural, e b) aspecto dos pedaços maiores com relação ao dos pedaços menores.

Observe, na figura 3, como ficaram os pedaços de clara de ovo, após a ação do suco de abacaxi, nos dois tratamentos realizados no experimento.


Figura 3 - Resultado da ação de suco de abacaxi sobre  albumina da clara de ovo cozida: 
(A-Aa) cubos de clara em suco de abacaxi cozido; (B-Bb) cubos  de clara em suco de abacaxi natural.
 Obs.: O suco, dos recipientes B e Bb, foi drenado ao final das 48 horas, para que os pedaços
 de clara de ovo cozida pudessem ser melhor observados em imagem.

Os clubistas perceberam que os cubos deixados em suco de abacaxi cozido, Figura 3 A e Aa, não sofreram modificação. Porém, verificaram que os pedaços de clara que ficaram no suco de abacaxi natural, Figura 3 B e Bb, estavam com as bordas dissolvidas, trincadas e com um tom de branco menos leitoso. Perceberam também, que os pedaços menores, Figura 3 Bb, ficaram, proporcionalmente, mais dissolvidos do que o grande.

Registradas essas observações, os clubistas partiram para outra etapa, na qual iriam verificar a consistência da clara de ovo de cada recipiente. Para isso, deveriam introduzir um palitinho de madeira em um cubinho de clara de ovo de cada recipiente, registrando o resultado logo a seguir.

Veja na figura 4 o que aconteceu:


Figura 4 – Resultado de teste para verificar a consistência dos pedaços de clara de ovo cozida, mantidos em suco de abacaxi: 
(A-Aa) suco de abacaxi cozido - o palito penetrou a clara de ovo cozido e, 
(B-Bb) suco de abacaxi natural – a clara de ovo cozido partiu, assim que o palito foi introduzido nela.

A clara de ovo mostrada na figura 4 A e Aa, que estivera em contato com o suco de abacaxi cozido, estava com a mesma consistência que apresentava anteriormente, quando do início do experimento, consistência semelhante à borracha. Por isso, quando o palitinho foi introduzido nela, perfurou e ficou fixo. No entanto, ao tocar as claras mostradas na figura 4 B e Bb, que tiveram contato com o suco de abacaxi natural , os cubos se partiram.

Depois dessas observações, o passo seguinte foi orientar os clubistas na organização de uma tabela, com os resultados que haviam registrado nos seus respectivos cadernos.


Tabela 1 – Resultados da ação de suco de abacaxi, cozido (A-Aa) e natural (B-Bb), sobre pedaços de clara de ovo cozida. 




Tem enzima também?

Ao comparar os resultados obtidos neste experimento com suco de abacaxi natural agindo sobre a clara de ovo cozida, com aqueles obtidos no estudo do amido, do experimento anterior (link), os clubistas logo perceberam que o suco de abacaxi natural, poderia ter também enzima, e que ela teria sido a responsável pelas alterações observadas na clara de ovo.

Tal conclusão foi de extrema pertinência: a albumina da clara de ovo, uma proteína, é formada por unidades moleculares denominadas de aminoácidos. Os clubistas já tinham, por estudos anteriores, essa informação sobre a estrutura das proteínas.

A enzima existente no suco de abacaxi, por agir na transformação de proteínas, faz parte de uma categoria denominada protease. Por se encontrar no abacaxi, planta da família botânica das bromeliáceas, a protease nesse caso  recebe o nome de bromelina. Essa família botânica se tornou bastante conhecida, devido ao valor decorativo e comercial de diversas espécies, atualmente muito comuns em floriculturas.


Aprimorando a definição
(generalizando o conceito de digestão)

No post anterior, quando foi relatado o estudo inicial sobre a digestão do amido, os clubistas tinham definido digestão como sendo “a transformação de moléculas de amido em glicose”. No entanto, após verificarem o que tinha acontecido com a clara de ovo, eles próprios se deram conta de que aquela definição só servia ao que havia acontecido com o amido, não era apropriada para definir o que havia se passado com a proteína. Foi, então, preciso adequar, foi preciso generalizar a definição elaborada inicialmente.

Depois dos clubistas de cada grupo pensarem e conversarem entre si sobre o que poderia ter acontecido com a clara de ovo, foi feita uma discussão geral, da qual todos participaram. E foi, então, que em um dado momento um dos clubistas, o André, resolveu a questão, quando sugeriu que "digestão seria quebrar moléculas grandes em moléculas pequenas". Gostei da nova definição, assim como os demais clubistas. André foi aplaudido, o que o deixou muito feliz, claro. O conceito de digestão tinha sido desenvolvido e generalizado adequadamente, sinal de que também tinha havido compreensão.


Mais fenômenos
a serem esclarecidos

Pedi aos clubistas que voltassem a olhar os recipientes onde estavam os pedaços de clara de ovo que tinham entrado em contato com o suco de abacaxi natural (Figura 4 B e Bb), e lhes perguntei: Por que, após a ação da bromelina, os pedaços pequenos de clara de ovo cozida, do recipiente “Bb” ficaram mais dissolvidos, ou seja, sofreram transformação mais intensa do que o cubo do recipiente “B”?

Os clubistas não conseguiram chegar a uma conclusão.

Pedi, então, que imaginassem um cubo de clara de ovo com 1cm de lado sendo cortado em oito cubos menores de igual tamanho. Em seguida, fui até a lousa e fiz um desenho semelhante ao da Figura 5, a seguir, para que eles pudessem visualizar a situação. Nesse desenho, vemos que novos lados surgiram em cada pequeno cubo, sem, contudo, que o volume total fosse reduzido. Portanto, o volume do conjunto dos cubos menores é equivalente ao volume do cubo maior, porém com mais superfícies expostas do que aquele.


Figura 5 – Representação de um cubo de clara de ovo com 1cm de lado (esquerda),
 dividido em 8 pedaços com 0,5cm de lado (direita).

Sendo assim, ainda que possuindo o mesmo volume, o cubo maior da esquerda, tem superfície total menor do que o somatório das superfícies dos cubos menores da direita. E foi exatamente esse aumento de superfície que permitiu à enzima bromelina entrar em contato com mais quantidade de clara de ovo, dos cubos menores (Bb) do experimento que realizamos. Sendo assim, sempre que a relação entre superfície e volume (S/V) aumentar, aumentará a eficiência de uma enzima.

A mastigação, quando bem feita, faz com que o alimento seja transformado em pedacinhos bem pequenos, aumentando, assim, sua área de contato com enzimas que realizam a digestão. Portanto, quando a mastigação é bem feita, a digestão se torna mais fácil.

Essa relação existente entre superfície e volume (S/V) também nos permite explicar diversos outros fenômenos. Vejamos um deles que, pela experiência diária, muitas donas de casa já se deram conta. Tem a ver com a secagem de roupa. Elas sabem que uma peça de roupa no varal seca mais rapidamente, caso seja estendida com esmero, bem esticadinha, do que se for colocada de qualquer jeito, amontoada. A roupa bem estendida permite que o sol incida sobre maior superfície, o que agitará mais moléculas de água em espaço de tempo menor, do que se a roupa estivesse amontoada. Dessa forma, as moléculas de água escaparão em maior quantidade para a atmosfera, fenômeno esse conhecido como evaporação.


Voltando à clara de ovo

Do nosso experimento restou apenas uma questão a ser resolvida. Vamos a ela: -- Por que nada aconteceu aos pedaços de clara de ovo cozida que se encontravam nos recipiente A e Aa, da Figura 4, onde havia suco de abacaxi cozido?

Não foi fácil para os clubistas responderem a essa pergunta. Mas eles se esforçaram. E chegaram à conclusão, que se a única diferença entre os recipientes mostrados na Figura 4 A-Aa e Figura 4 B-Bb era a condição do suco de abacaxi, o cozimento do suco poderia ter alterado a enzima que fazia parte dele, a bromelina.

Vibrei ao ouvir tal resposta. Muito boa!

De fato, o calor do cozimento altera a estrutura espacial da molécula da enzima, processo conhecido por desnaturação, e, dessa forma, ela perde a capacidade de desempenhar o seu papel.

Veja os clubistas em ação na figura 6, a seguir:


Figura 6 – Alunos do Clube de Ciências da EMEF “Dr. João Maria de Araújo Jr.”, realizando
 investigações para estudo da digestão de proteína e vibrando com conclusões adequadas a que chegaram.


Desafio final

Se você leu com atenção e compreendeu o que foi apresentado até aqui, poderá arriscar uma boa e pertinente explicação para o desafio a seguir: No interior do nosso intestino, onde os alimentos digeridos serão absorvidos e, após passarem para a circulação sanguínea, distribuídos para as células do corpo para que possam desenvolver plenamente suas funções, existem inúmeras vilosidades (dobras ou rugas). Além dessas vilosidades, existem outras vilosidades, ainda menores, denominadas de microvilosidades, como se pode observar na figura a seguir:

Figura 9 - Representação de tubo digestivo em corte e ampliações das 

Perguntas:

1) Qual a importância dessas vilosidades e microvilosidades?
2) O que aconteceria se elas não existissem?

Caso você precise de ajuda para responder a essa perguntas, leia: Vilosidade Intestinal.

Para os interessados em ampliar conhecimentos, leiam: Sistema Digestório.


Para terminar

Quero lhes dizer que, à semelhança do que informei na parte inicial do post Princípios da Digestão - Parte I - Amido, a estratégia usada para o ensino dos princípios da digestão do amido que vimos por lá, como também a estratégia usada para o ensino dos princípios da digestão de proteínas, que vimos neste post, foi desenvolvida e implementada por mim na década de 1980*, em escolas de Campinas, cidade do interior do Estado de São Paulo. Essa estratégia foi baseada em atividades práticas apresentadas nos livros Biologia** e Biologia na Escola Secundária***, que foram adaptadas aos meus propósitos.



In Memoriam


Professor Oswaldo Frota-Pessoa
Professor Oswaldo Frota-Pessoa, falecido em 2010 aos 93 anos, foi pessoa rara. Formado em História Natural e também em Medicina, foi geneticista, pesquisador e professor, além de autor de obras de inestimável valor, inclusive e especialmente, para o Ensino de Ciências e de Biologia no nível básico, hoje tão necessitados de pessoas competentes e comprometidas.

Só um país, que não valoriza, de fato, educação científica, pode desconhecer obras como a do Professor Oswaldo Frota-Pessoa, voltada ao ensino de Ciências e Biologia. Só um país, que não valoriza, de fato, educação científica, pode ter grande parte de exemplares dos livros que ele escreveu ou coordenou desde a década de 1960, fora de bibliotecas escolares e de faculdades, nas quais há cursos de licenciatura em Ciências Biológicas. 

Para quem se interessar pelo trabalho exemplar realizado pelo Professor Oswaldo Frota-Pessoa, sebos são opção de busca. Os conteúdos de livros antigos, além de revelarem parte da história, podem ser atuais, se atualizados forem. Não estou aqui me referindo àquelas atualizações que abusam das cores, das ilustrações, e que são, equivocadamente, consideradas muito atraentes, mas que, na verdade, estão bem aquém da capacidade imaginativa e criativa das crianças e adolescentes, para dizer o mínimo. Estou me referindo apenas à atualização de conteúdo devido aos avanços científico-tecnológicos que acontecem, atualização com a manutenção da boa qualidade dos textos, das atividades práticas e exercícios propostos, assim como manutenção da simplicidade e sobriedade das eficientes ilustrações. Forma e conteúdo não devem subestimar experiências pessoais e capacidade de pensar das crianças e adolescentes, que precisam de desafios intelectuais. Desafios que não podem ser encarados como barreiras, como dificuldades intransponíveis, mas como oportunidades para avanços, para a elaboração de novos conhecimentos. 


Um convite

Você poderá conhecer um pouco da trajetória do Professor Oswaldo Frota-Pessoa, como pesquisador, professor e divulgador científico, lendo entrevistas concedidas por ele, clicando aqui, e aqui.



Bibliografia 

* Paleari, L. M. Investigações práticas sobre a digestão no ensino fundamental. Ciências Biológicas e do ambiente. v. 1, n. 1, pp. 89-102. 1999.
** Frota-Pessoa, O. (Coord.). Biologia. Ministério da Educação e Cultura. 1981.
*** Frota-Pessoa, O. Biologia na Escola Secundária. Ministério da Educação e Cultura. 1962. 


Se você quiser saber mais sobre outras atividades do Clube de Ciências, da EMEF "Dr. João Maria de Araújo Jr.", de Botucatu acesse os links: 

- Clube de Ciências Escola municipal "Dr. João Maria de Araújo Jr." - Botucatu 
Um ponto de partida – Por Lucia Maria Paleari
Enfim, o Catavento! – Por Lucia Maria Paleari
- Se não me seguro, eu caio! - Por Lucia Maria Paleari
- 
Vivendo e aprendendo - Por Lucia Maria Paleari
- 
Onde há fumaça, há fogo! Será verdade? - Por Lucia Maria Paleari
- Ciência é coisa séria, mas muito prazerosa - Por Lucia Maria Paleari
- Nem tudo que flutua é boia - Por Lucia Maria Paleari

O gelo e a vida em um lago profundo – Por Lucia Maria Paleari
Nossa, que frio!!! – Por Lucia Maria Paleari
Células animais e vegetais observadas ao microscópio óptico – Por Lucia Maria Paleari e Yve Canaveze
Amendoim: um fruto subterrâneo – Por Lucia Maria Paleari
- Bicho da goiaba, goiaba é? (as moscas-das-frutas) - Por Lucia Maria Paleari
Princípios da Digestão - Parte I - Amido

quarta-feira, 12 de outubro de 2016

Princípios da Digestão
Parte I - Amido
Por Lucia Maria Paleari

Clube de Ciências
Diário de Bordo


Princípios da Digestão 
 Parte I - Amido

Lucia Maria Paleari
lpaleari@ibb.unesp.br
O que é digestão?

Com o objetivo de desenvolver esse importante conceito e de responder à pergunta feita acima, os alunos do Clube de Ciências da EMEF "Dr. João Maria de Araújo Jr.", de Botucatu, realizaram investigações com dois tipos de alimentos. Um deles o amido, um carboidrato encontrado em vegetais, cuja molécula é formada basicamente por carbono, hidrogênio e oxigênio. O outro alimento investigado foi a albumina, um composto nitrogenado do grupo das proteínas, encontrada na clara de ovo.

A estratégia usada para o ensino dos princípios da digestão do amido, que veremos a seguir neste post, como também a estratégia usada para o ensino dos princípios da digestão de proteínas, que veremos em outro post, que também será publicado neste blog, foi desenvolvida e implementada por mim na década de 1980*, em escolas de Campinas, cidade do interior do Estado de São Paulo. Essa estratégia foi baseada em atividades práticas existentes nos livros Biologia** e Biologia na Escola Secundária***, adaptadas aos meus propósitos. Dentre esses propósitos, dar oportunidade aos adolescentes de desenvolver conceitos e não de, meramente, memorizar definições. Além disso, por meio de investigação, eu também pretendia orientá-los a aprimorar a capacidade de observação e de raciocínio, enquanto aprendiam a organizar e manusear materiais simples, registrar resultados, inclusive em tabelas e trabalhar em grupo.

Detectando amido

Os clubistas foram divididos em grupos. Um roteiro de atividades foi preparado e entregue a cada um dos alunos. Nesse roteiro estava indicado como os materiais, que seriam oferecidos, deveriam ser organizados. Veja esquema na figura 1.


Figura 1 - Organização dos materiais usados na investigação para desenvolver o conceito de digestão: (a-b e a1) recipientes que receberam uma gota de solução de amido; (c - h) recipientes que receberam, cada um deles, um pedaço de alimento in natura.

Os clubistas, de acordo com o roteiro recebido, colocaram nos recipientes “a”, “b” e "a1", uma gota da solução de amido, usando para isso um conta-gotas. Em seguida, um representante de cada grupo colocou a sua própria saliva sobre a solução de amido do recipiente “a1”, que foi reservado para ser testado posteriormente.

O início dos testes foi planejado para que os clubistas aprendessem o significado de uma reação típica, que, neste caso, seria a do amido ao iodo. Para isso, a orientação foi a de colocar uma gota da solução de iodo no recipiente "a", observar e registrar o que acontecia.

Assim que a gota da solução de iodo misturou-se à de amido, apareceu uma cor azulada, como a que se pode observar a seguir.


Figura 2 – Teste da reação do amido ao iodo.
Recipiente “a” antes e depois da solução de amido ter entrado em contato com a solução de iodo.

A cor azul observada em "a", após ter entrado em contato com a solução de iodo, poderá ser mais ou menos intensa. Isso dependerá principalmente, da concentração da solução de iodo usada. Se a solução for muito concentrada, cor roxa, parecendo até mesmo preta, pode ser observada.

Em seguida, como forma de atestar que essa cor azulada não aparece quando o amido reage com outras soluções, que não a de iodo, os clubistas colocaram uma gota de mercúrio cromo sobre a solução de amido do recipiente “b”. Utilizaram para isso de um conta-gotas específico, porque, caso usassem o mesmo conta-gotas que fora usado com iodo, a solução de mercúrio cromo poderia ser contaminada, e isso interferiria no resultado. Tomados esses cuidados, o que se observou foi que a solução de amido, desse recipiente "b" no qual foi colocada a gota de mercúrio, não apareceu cor azul. 

Com o teste descrito acima, ficou patente que a cor azul só aparece quando o amido reage com o iodo, por isso é que dizemos que se trata de uma reação típica do amido ao iodo.

Quando a cor indicativa da presença de amido é observada, dizemos que temos um resultado positivo (+), e quando ela não é observada, dizemos que temos um resultado negativo (-).

Alimentos 
que contêm amido

Depois de aprender a identificar a presença de amido, por meio da sua reação típica ao iodo, o passo seguinte seria verificar em quais alimentos in natura, selecionados para essa atividade, havia amido.

Nesse momento, os clubistas já sabiam que bastaria pingar sobre eles uma ou duas gotas da solução de iodo e checar o aparecimento, ou não, da coloração azul. Porém, recomendações foram feitas antes do início dessa parte do trabalho: que cada alimento fosse testado individualmente, observado com extrema atenção, e que os resultados fossem anotados. Só então a presença de amido seria testada no próximo alimento.

Feitas essas recomendações, pedaços de diversos alimentos foram entregues a cada grupo. Esses alimentos foram, então, colocados, um a um, separadamente, nos recipientes marcados de “c” a “h”. A seguir, cada um deles recebeu uma ou duas gotas de solução de iodo.  Tudo o que aconteceu com cada alimento foi registrado cuidadosamente.

A imagem, a seguir, mostra os alimentos, após entrarem em contato com a solução de iodo.

Figura 3 – Recipientes com os seus respectivos alimentos, que receberam solução de iodo: (c) Farinha de trigo; (d) maçã; (e) vagem; (f) cebola; (g) banana; (h) cenoura; (i) grão de milho quebrado e (j) chuchu.

Com os registros obtidos, os clubistas foram orientados a construir uma tabela, levando em consideração, o que havíamos combinado previamente, ou seja: se a cor azul observada fosse suave, ela receberia um sinal positivo (+), se fosse de tonalidade média, receberia dois sinais positivos (++), e se fosse azul escuro, indicação de que o alimento devia ter muito amido, receberia três sinais positivos (+++). Veja tabela 1, a seguir.


                                Tabela 1 - Resultados das reações de alimentos ao iodo em solução



Voltando à base "a1"

Após terem sido feitas as investigações para detectar a presença de amido nas diversas amostras de alimentos e de registrar os respectivos resultados, os clubistas voltaram a atenção para o recipiente "a1". Aquele que continha uma solução de amido e também saliva, e que fora reservado para teste posterior.

Para surpresa de todos, após colocarem a solução de iodo na solução do recipiente "a1", a cor azul não apareceu. 
Mas, como isso poderia ter acontecido se ali, com toda certeza, havia sido colocada a solução de amido? Essa era a pergunta que todos se faziam.

Os clubistas, então, refletiram sobre o acontecido e rapidamente chegaram à conclusão de que a saliva, única coisa diferente que fora ali colocada, poderia ter encoberto, ficado por cima da solução de amido, impedindo o contato dela com a solução de iodo. Será, será que era isso mesmo que teria acontecido?

Essa suposição, ou hipótese, logo foi descartada, porque, após misturarem bem o conteúdo do recipiente "a1" fazendo uso de um palitinho, a cor azul não apareceu.

A dúvida se instalou entre os clubistas. Então, o que teria acontecido?

Para ajudá-los a pensar e chegar a uma possível explicação, eu lhes fiz a seguinte pergunta:
--  Se no recipiente "a1" a reação típica do amido ao iodo foi negativa, qual é a única resposta possível sobre a existência de amido nesse local?
Eles não titubearam em responder:
-- No recipiente "a1" não tem mais amido.
-- Sim -- disse-lhes eu, já colocando uma nova questão: -- Mas como isso poderia ter acontecido, uma vez que o amido fora colocado ali?
Os clubistas acharam que a saliva deveria ter feito alguma coisa com o amido.
-- O que seria? -- perguntei.
Eu sabia que apenas com as observações feitas eles não teriam condições de elaborar uma explicação plausível para o fenômeno. Por isso, pedi-lhes que revissem o processo de fotossíntese, que já tinham estudado e registrado nos respectivos cadernos.
-- Fotossíntese, professora? -- eles perguntaram, um tanto espantados.
-- Exatamente: fotossíntese -- respondi.  -- Talvez com isso, vocês possam imaginar o que tenha acontecido.

Cada grupo, então, fez a revisão pedida. Não demorou muito para que se lembrassem, dentre outras coisas, que a planta, produtor nas cadeias alimentares, produz moléculas de glicose. Essas moléculas de glicose, quando não utilizadas para a obtenção de energia, são unidas pela planta e dão origem a uma longa cadeia molecular, que é denominada de amido, um açúcar de reserva.
A partir daí os clubistas colocaram a imaginação para funcionar e depois de certo tempo alguém fez a seguinte pergunta:
-- Será que a saliva faz o contrário do que a planta faz?
Mesmo sem pensar no sentido exato de uma ação como essa da saliva, o grande salto imaginativo acontecera, e tinha sido muito bom. Vibrei com ele! Um belo insight! Uma bela sacada!

Na discussão que se seguiu, a conclusão foi a de que algo existente na saliva teria transformado o amido em glicose. E foi pensando dessa maneira que, os clubistas definiram digestão como sendo a transformação da molécula de amido em moléculas de glicose. 

Só então eles ficaram sabendo que certo tipo de substância denominada enzima, tinha sido a responsável por aquilo que eles sugeriram que havia acontecido: a molécula de amido ter sido transformada em moléculas de glicose.

Só mais tarde aprenderam que essa enzima da saliva é chamada de amilase salivar, ou ptialina, e que ela é capaz de reduzir amido a moléculas menores de outro açúcar, a maltose, formada por duas moléculas de glicose. Essas duas moléculas de glicose, por sua vez, só serão separadas uma da outra, por ação de outra enzima denominada maltase. Mas esses detalhes não se mostraram necessários naquele momento, pois o mais importante era que os clubistas começassem a compreender o processo de transformação de um alimento e elaborassem o conceito de digestão. Esse conceito, no entanto, só foi generalizado por eles após a segunda etapa das investigações realizadas, quando do estudo da proteína da clara de ovo, que veremos no próximo post deste blog.

Detetives em ação

E como nunca é demais fazer perguntas, porque são elas que nos movem a pensar, investigar e aprender, perguntei aos clubistas:
-- Será que produtos industrializados como iogurte, requeijão, bala de goma, também conhecida por jujuba, bolacha, queijo e refrigerante, possuem amido?

Claro que já imaginávamos que bolachas tinham amido, afinal, elas são feitas, basicamente, de farinha de trigo, que no teste com solução de iodo havia apresentado reação positiva (ver figura 3c e também a tabela 1 recipiente "c", apresentadas anteriormente). Mas por meio dessa nova investigação, feita logo em seguida, detectamos amido até nas balas de goma (jujubas) e em um alimento, que muito nos surpreendeu: o iogurte. Quem diria! Afinal, iogurte é feito à base de leite, que tem principalmente proteína e um açúcar diferente do amido, a lactose, que não fica azul quando entra em contato com solução de iodo. De onde, então, teria vindo o amido? Será que teria sido acrescentado para aumentar o volume do iogurte? Ou seria para conseguir uma textura melhor para o produto?

Eis uma pesquisa que poderia ser realizada, para ajudar a ampliar nosso conhecimento sobre a produção do iogurte, e que nos possibilitaria tirar uma conclusão apropriada sobre o resultado que obtivemos no teste. O que sabemos, porque foi testado depois, é que o iogurte artesanal, feito em casa, não fica azul com solução de iodo. Portanto, não tem amido.

Veja só quanta coisa interessante se descobre com base em alguns conhecimentos e práticas simples, que podem ser realizadas com materiais fáceis de serem obtidos. Basta mantermo-nos atentos, pensantes e interessados em ampliar nossos conhecimentos.

Não é que a partir de uma simples pergunta acabamos bancando Sherlock Holmes!


Figura 4 - Detetives em ação.


Para quem quiser repetir
as experiências descritas acima

- Solução de amido
Encha com água 4 copos, do tipo americano, e verta em um recipiente que possa ir ao fogo. Misture nessa água, uma pitada de farinha de trigo e leve ao fogo até ferver. Apague o fogo e deixe a solução decantar enquanto esfria. Ela deve ficar transparente, como a água cristalina. Para os testes use apenas o líquido da porção superior dessa solução de amido.

- Solução de iodo
Num recipiente, pingue 5 ou 6 gotas de tintura de iodo (à venda em farmácias) e acrescente, aproximadamente, uma xícara das de café de água. Uma mistura de cor amarelada deverá ser obtida.

Outro produto que pode ser usado, por conter iodo, e também pode ser encontrado em farmácias, é o Lugol.



In Memoriam


Professor Oswaldo Frota-Pessoa
Professor Oswaldo Frota-Pessoa, falecido em 2010 aos 93 anos, foi pessoa rara. Formado em História Natural e também em Medicina, foi geneticista, pesquisador e professor, além de autor de obras de inestimável valor, inclusive e especialmente, para o Ensino de Ciências e de Biologia no nível básico, hoje tão necessitados de pessoas competentes e comprometidas.

Só um país, que não valoriza, de fato, educação científica, pode desconhecer obras como a do Professor Oswaldo Frota-Pessoa, voltada ao ensino de Ciências e Biologia. Só um país, que não valoriza, de fato, educação científica, pode ter grande parte de exemplares dos livros que ele escreveu ou coordenou desde a década de 1960, fora de bibliotecas escolares e de faculdades, nas quais há cursos de licenciatura em Ciências Biológicas.

Para quem se interessar pelo trabalho exemplar realizado pelo Professor Oswaldo Frota-Pessoa, sebos são opção de busca. Os conteúdos de livros antigos, além de revelarem parte da história, podem ser atuais, se atualizados forem. Não estou aqui me referindo àquelas atualizações que abusam das cores, das ilustrações, e que são, equivocadamente, consideradas muito atraentes, mas que, na verdade, estão bem aquém da capacidade imaginativa e criativa das crianças e adolescentes, para dizer o mínimo. Estou me referindo apenas à atualização de conteúdo devido aos avanços científico-tecnológicos que acontecem, atualização com a manutenção da boa qualidade dos textos, das atividades práticas e exercícios propostos, assim como manutenção da simplicidade e sobriedade das eficientes ilustrações. Forma e conteúdo não devem subestimar experiências pessoais e capacidade de pensar das crianças e adolescentes, que precisam de desafios intelectuais. Desafios que não podem ser encarados como barreiras, como dificuldades intransponíveis, mas como oportunidades para avanços, para a elaboração de novos conhecimentos.

Um convite

Você poderá conhecer um pouco da trajetória do Professor Oswaldo Frota-Pessoa, como pesquisador, professor e divulgador científico, lendo entrevistas concedidas por ele, clicando aqui, e aqui.


Bibliografia 

* Paleari, L. M. Investigações práticas sobre a digestão no ensino fundamental. Ciências Biológicas e do ambiente. v. 1, n. 1, pp. 89-102. 1999.
** Frota-Pessoa, O. (Coord.). Biologia. Ministério da Educação e Cultura. 1981.
*** Frota-Pessoa, O. Biologia na Escola Secundária. Ministério da Educação e Cultura. 1962.

Se você quiser saber mais sobre outras atividades do Clube de Ciências, da EMEF "Dr. João Maria de Araújo Jr.", de Botucatu acesse os links: 

- Clube de Ciências Escola municipal "Dr. João Maria de Araújo Jr." - Botucatu 
Um ponto de partida – Por Lucia Maria Paleari
Enfim, o Catavento! – Por Lucia Maria Paleari
- Se não me seguro, eu caio! - Por Lucia Maria Paleari
- 
Vivendo e aprendendo - Por Lucia Maria Paleari
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- Ciência é coisa séria, mas muito prazerosa - Por Lucia Maria Paleari
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O gelo e a vida em um lago profundo – Por Lucia Maria Paleari
Nossa, que frio!!! – Por Lucia Maria Paleari
Células animais e vegetais observadas ao microscópio óptico – Por Lucia Maria Paleari e Yve Canaveze
Amendoim: um fruto subterrâneo – Por Lucia Maria Paleari
- Bicho da goiaba, goiaba é? (as moscas-das-frutas) - Por Lucia Maria Paleari

sábado, 27 de agosto de 2016

Bicho da goiaba, goiaba é?
(as moscas-das-frutas)
Por Lucia Maria Paleari

Clube de Ciências
Diário de Bordo



Bicho da goiaba, goiaba é?
(as moscas-das-frutas)

Lucia Maria Paleari
lpaleari@ibb.unesp.br
"Bicho de goiaba, goiaba é", diz o ditado popular. Você acredita nesse ditado? Existem pessoas que acreditam. Afinal, dizem elas, desde que uma mosca-da-fruta coloca seus ovos na goiaba, as larvas que nascem desses ovos ficam abrigadas dentro do fruto, alimentando-se apenas dele (Figura 1). Por esse motivo, para essas pessoas, o ditado popular se cumpre, e bicho de goiaba, goiaba é.


Figura 1 - Goiaba e mosca-da-fruta Anastrepha sp.: (A) Fruto atacado; (B) Larva em meio à polpa; (C) Imagem ampliada da larva.

No entanto, biologicamente falando, o ditado popular "Bicho de goiaba, goiaba é", não retrata a realidade. Vejamos o porquê.
É fato que moscas-das-frutas que atacam goiaba, perfuram a casca dessa fruta para depositar os seus ovos. É fato também, que desses ovos eclodem larvas conhecidas popularmente por “bigato”, um bichinho roliço e esbranquiçado (Figura 1), que consumirá a polpa da goiaba durante os estádios (etapas) de desenvolvimento pelos quais irá passar dentro da fruta. No entanto, isso não significa que o corpo dessas larvas seja composto de polpa de goiaba. De maneira alguma. A polpa que foi ingerida sofreu um processo denominado de digestão e foi transformada. Os produtos dessa transformação são utilizados pelas larvas, para construir e manter em funcionamento os seus corpos.

O furo feito por uma mosca adulta, para depositar os ovos na goiaba, favorece a entrada de microrganismos que prejudicam a fruta, fazendo com que ela apodreça e caia. Ao cair, as larvas que se originaram dos ovos, e nesse momento já estão desenvolvidas, deixarão o fruto e migrarão para o interior do solo, onde passarão pela fase de pré-pupa, antes de atingir o estágio de pupa (Figura 2).
Figura 2 – Mosca-da-fruta Anastrepha sp.: (A) Pré-pupa e (B) pupa.


Depois de diversos dias, ainda no solo, o envoltório da pupa será rompido e dele emergirá uma mosca adulta, como a que pode ser vista na figura 3, abaixo.


Figura 3: Mosca-da-fruta, Anastrepha sp., que emergiu da pupa apresentada na figura 2. (OBS. Apesar de aparecerem na imagem apenas dois pares de pernas, há outro par sob o corpo da mosca que, como todo inseto, possui três pares de pernas).


Moscas-das-frutas no Brasil

O gênero Anastrepha, composto por 94 espécies conhecidas de moscas-das-frutas, é originário das Américas do Sul e Central. Juntas com a espécie Ceratitis capitata, originária do Mediterrâneo, preocupam muito aos fruticultores, por causarem grandes prejuízos econômicos. Essas espécies de dípteros, assim como nós humanos, encontram nas polpas suculentas de frutos como a goiaba, gabiroba, araçá, jabuticaba, uvaia, cajá, uva, carambola, laranja, abiu e tantas outras, matéria e energia de que necessitam para viver.

Na figura 4, logo a seguir, pode-se ver um esquema do ciclo de vida das moscas-das-frutas e de alguns outros insetos, como besouros, que passam por metamorfose completa. Mais detalhes sobre ciclo de vida de insetos podem ser vistos aqui.


Figura 4 - Esquema representando o ciclo de vida das moscas-das-frutas. Em geral, a fruta atacada apodrece e cai no solo, para onde as larvas migram e se transformam em pupas, que aí se mantêm até que de cada uma delas emerja uma mosca adulta. Machos e fêmeas sairão em voo e poderão acasalar ao se encontrarem.

O ciclo total de vida de moscas do gênero Anastrepha varia em torno de 25 a 40 dias, a depender da espécie, da fruta atacada e das condições de temperatura do lugar. Em geral, elas se desenvolvem melhor em locais que apresentam temperaturas em torno de 25°C. Se esse valor cair abaixo de 15°C ou for acima de 35°C, a mortalidade será grande. Como no Brasil as temperaturas oscilam dentro do intervalo mais favorável às moscas-das-frutas, elas têm condições de viver bem no país a maior parte do ano.

No Estado de São Paulo já foram registradas 35 espécies de Anastrepha, algumas das quais denominadas de monófagas, por se alimentarem de frutos de uma única espécie de frutífera. Outras, por se restringirem a frutíferas de um único gênero, foram denominadas de estenófagas (esteno = estreito). As oligófagas (oligo = pouco) são espécies que podem consumir frutos de alguns gêneros de plantas, mas pertencentes a uma mesma família de frutíferas. Há ainda as polífagas (poli = muitos), que podem consumir frutos dos mais variados, pertencentes a espécies de frutíferas de diferentes famílias.

Uma Anastrepha pode depositar em torno de 400 ovos durante sua vida adulta. Mesmo sabendo que parte desses ovos podem ser inviáveis, que larvas e pupas podem adoecer e morrer, ou serem mortas devido ao ataque de seus inimigos naturais, o potencial de ataque e destruição de frutas por moscas desse gênero é grande. Além disso, no Brasil há inúmeras frutíferas produzindo frutos em diferentes épocas do ano, o que favorece a manutenção das populações dessas moscas.


Controle biológico
das moscas-das-frutas

Apesar de se tratar de um inseto pequeno e bonito, com traços vistosos nas asas, as moscas-das-frutas são temidas pelos fruticultores. E não é para menos, uma vez que elas podem ocasionar grandes perdas à produção. No entanto, não se resolve um problema produzindo outro ainda maior, como acontece quando se utiliza, principalmente de maneira abusiva, venenos químicos, também conhecidos por agrotóxicos. Esses venenos que matam as moscas-das-frutas, também podem nos matar, ou nos fazer adoecer gravemente, quando ingeridos com as frutas que consumimos. É preciso investir constante e intensivamente em estudos para desenvolvimento de práticas de controle eficientes, que deixem de lado o uso de venenos químicos em pomares.

Além do ensacamento das frutas com saquinhos de papel, que impedem as moscas de ovipor, há também a possibilidade de fazer uso de seus inimigos naturais. Tal prática, que recebeu o nome de controle biológico, no Brasil e em toda a América do Sul ainda é insipiente. Trata-se de uma prática que precisa favorecer os inimigos naturais, oferecendo-lhes alimento e abrigo, para que eles se estabeleçam nos pomares e controlem o tamanho das populações de moscas-das-frutas. Para isso é preciso cuidar de todo o ambiente onde estão as frutíferas, mantendo-o mais próximo das condições em que normalmente essas plantas existiam antes de serem plantadas em larga escala, como monoculturas, em terrenos desnudados e adubados exclusivamente com adubos químicos, adubos esses produzidos em fábricas. É preciso também, manter nos pomares outras espécies de plantas, num plantio consorciado, ou seja, que misture diferentes espécies de vegetais.  Nesse plantio consorciado podem ser utilizadas inclusive plantas ruderais, comumente referidas por mato ou planta daninha. Além das plantas ruderais poderem servir de abrigo aos inimigos naturais, elas produzem pólen e néctar, que normalmente servem de alimentos a eles. Para saber mais sobre a importância dessas plantas, acesse: Por que mato com tanto desprezo?

Algumas espécies de vespinhas, principalmente das famílias  Braconidae e Figitidae, são conhecidas como inimigos naturais de moscas-das-frutas. Por serem também insetos, esses inimigos naturais recebem o nome de parasitóides. Braconídeos podem colocar seus ovos nas larvas das moscas, depois de localizarem-nas no interior dos frutos, mas os parasitoides filhos só emergirão como adultos, quando as larvas utilizadas para parasitismo estiverem na fase de pupa. Devido a essa característica denominou-se, esse tipo de parasitismo, de parasitismo larvo-pupal.
Substâncias liberadas pelos frutos maduros atacados pelas moscas-das-frutas podem atrair seus respectivos parasitoides, que, dessa forma, terão certa facilidade para deixar a sua prole, os seus descendentes.

No vídeo abaixo, a vespinha pertencente à espécie Diacasmimorpha longicaudata, detecta e parasita uma larva de mosca-da-fruta no interior de uma maçã.





Embora sejam conhecidas diversas espécies de vespinhas parasitoides de moscas-das-frutas, a espécie Diacasmimorpha longicaudata tem sido muito estudada, por ser relativamente fácil de criar em laboratório, para posterior liberação em pomares. Se além disso, for mantido alto grau de diversidade biológica nas plantações, os indivíduos dessa espécie terão maiores chances de se estabelecer nos pomares, sem a necessidade de liberações repetidas, de adultos criados em laboratório.

Para você que cultiva frutíferas e quer saborear frutos gostosos, bonitos e saudáveis, livres de agrotóxicos, veja esse tipo de experiência adotado hoje por pessoas que buscam alimentação de boa qualidade: