Clube de Ciências
Diário de Bordo
Visita ao Centro de Isótopos Estáveis de Botucatu
Nitrogênio líquido – Segunda parte
Ciência é coisa séria, mas muito prazerosa
Por Lucia Maria Paleari
lpaleari@ibb.unesp.br
No post anterior mencionei o quanto foi importante a visita que fizemos ao Centro de
Isótopos Estáveis do Instituto de Biociências, da Unesp, Botucatu. Neste post,
detalharei o que os participantes do Clube de Ciências da EMEF “Dr. João Maria
de Araújo Jr.” viram e aprenderam por lá.
Na hora marcada, chegamos animados para essa visita. Fomos recebidos pelo Dr. Carlos Ducatti, grande entusiasta e supervisor dos trabalhos que são realizados no local. Sem delongas e com extrema boa vontade, ele nos levou a uma sala de conferências. Com imagens, esquemas e gráficos, acompanhados de explicações valiosas, um mundo novo e muito interessante nos foi apresentado.
Os
clubistas visitam o Centro de Isótopos Estáveis do Instituto de Biociências de
Botucatu (Unesp),
acompanhados do Professor Ducatti. |
Átomos: Seus
componentes e propriedades
Os
adolescentes aprenderam que os átomos de um mesmo elemento químico podem não ser todos iguais e que os conhecimentos científicos sobre esse
assunto podem ter aplicações e implicações práticas, dignas de um Sherlock Homes.
No núcleo
dos átomos estão reunidas as partículas com carga positiva, denominadas de prótons,
e as partículas sem carga, conhecidas por nêutrons.
O número
atômico de um átomo, que é o seu número de prótons somado ao seu número de
nêutrons, nos dá a massa atômica desse átomo, já que a massa do elétron é ínfima e desprezível nesse caso. Acontece que o número de nêutrons
pode variar e, sendo assim, átomos de um mesmo elemento químico, portanto, que
têm igual número atômico, poderão ter massas atômicas diferentes. Esses são os
conhecidos Isótopos (isos, de origem
grega, quer dizer igual e topos, quer dizer lugar). Isso significa que apesar
de terem números de nêutrons diferentes, todos os átomos variantes de um determinado
elemento químico, que têm, portanto, o mesmo número de prótons, ocupam o mesmo
local na tabela periódica. Na Natureza, alguns
desses isótopos podem ser radioativos e outros não. Os isótopos não radioativos
são denominados de isótopos estáveis.
O átomo de Carbono
como exemplo
O átomo de Carbono
(C) mais comum na Natureza tem 6 prótons no núcleo (número atômico = 6), e sua massa
atômica é 12 (12C). No entanto, há átomos de Carbono menos comuns do
que esse, que têm 7 nêutrons e, por isso, sua massa atômica é 13 (13C).
Ambos são normalmente estáveis, portanto, não são radioativos, como o é o
Carbono que possui 8 neutros e, consequentemente, massa atômica 14 (14C).
Diversos
tipos de átomos como o Hidrogênio (H), Oxigênio (O), Nitrogênio (N) e o Enxofre
(S), também possuem isótopos estáveis que, assim como os de Carbono, se
encontram na Natureza em proporções diferentes, que podem ser calculadas com o
auxílio de equipamentos especiais.
Plantas do
grupo das gramíneas tropicais, tais como o milho e a cana de açúcar, quando
realizam o processo de fotossíntese ,
por meio do qual fabricam o alimento (glicose), absorvem mais gás carbônico (CO2)
composto do isótopo de Carbono de massa atômica 13 (13C), do que CO2
com Carbono de massa atômica 12 (12C). Durante esse processo de
fotossíntese, o Carbono, proveniente do CO2, é fixado resultando uma
substância composta de quatro átomos de carbono. Por isso, essas plantas são
conhecidas como plantas C4.
Outras
plantas, como as laranjeiras, videiras, eucaliptos etc. foram denominadas plantas C3, porque ao
realizar a fotossíntese elas produzem uma substância composta por 3 átomos de
carbono. Diferente das plantas C4, as plantas C3
absorvem, durante a fotossíntese, mais CO2 composto de Carbono de massa
atômica 12 (12C), do que CO2 composto de Carbono de massa
atômica 13 (13C).
Existem também
plantas que vivem em ambientes com pouca água disponível, como os cactos (grupo
das plantas suculentas), as bromélias, as orquídeas epífitas (fixam-se em ramos
e troncos de árvores), entre outras, que desenvolveram processos especiais para
fixar o Carbono, de maneira a evitar a perda de água. Estas plantas são
conhecidas como plantas-CAM (Metabolismo
Ácido das Crassuláceas). À noite elas podem fixar o Carbono, proveniente do gás
carbônico (CO2), primeiramente em molécula de quatro átomos de
carbono, que será usada depois durante o dia. No entanto, essas plantas podem também,
quando há água disponível, se comportar como planta C3 e fixar
inicialmente o Carbono do CO2 em molécula com três átomos de Carbono.
O mel é puro, ou é pura
tapeação (adulteração)?
Na Natureza
os isótopos estáveis de cada elemento químico se encontram em certa
proporção, que é possível calcular com o auxílio de equipamentos especiais. E como
é dificílimo medir a quantidade total de um isótopo, como o de Carbono, por
exemplo, para saber qual a origem de certo produto, calcula-se a relação entre
o isótopo mais pesado e o mais leve (13C/12C) e
compara-se com o valor da proporção desses isótopos em um material padrão,
usado por pesquisadores do mundo todo.
Agora, imagine
se ao analisar uma amostra de mel, em cujo rótulo está escrito que é de flor de
laranjeira, o pesquisador obtiver um valor maior do que o esperado ao calcular
a proporção 13C/12C. Isso significa que, naquele mel, há proporcionalmente
mais 13C do que 12C. Portanto, o material analisado, se
mel for poderá ser de néctar de flores de cana, mas é quase certo que deve ter
sido “batizado” com melaço. Isso porque, para ser mel de flor de laranjeira,
que é uma planta C3, ele deveria ter mais 12C do que 13C,
o que resultaria em um valor mais baixo ao calcular a proporção 13C/12C.
Dessa mesma
maneira, também é possível saber se vinho, cerveja e néctares de frutas, por
exemplo, estão adulterados.
O princípio
geral para detectar a quantidade de isótopo é esse, porém, há situações em que se
faz necessário acrescentar, aos resultados do estudo que se desenvolve com um
certo isótopo, resultados de investigação complementar com outro tipo isótopo* ou
acrescentar conhecimentos específicos do animal ou planta em estudo, para
entender certos fenômenos.
Fazendo amigos
Assim que
saímos da sala de conferências para onde o Dr. Carlos Ducatti havia nos levado,
foi possível conversar com alunos de pós-graduação que desenvolviam suas
pesquisas naquele Centro. Muito satisfeitos com os trabalhos que realizavam, aqueles
pós-graduandos falaram da importância de sempre aliar à curiosidade, muito
estudo. Só dessa forma é possível investigar com propriedade, ter o prazer de
entender bem sobre muitos assuntos e fazer novas descobertas.
Dois
alunos de pós-graduação contando sobre suas experiências; à direita, uma aluna
recém-chegada do exterior, falando sobre o valor de se estabelecer
parcerias
para a realização dos trabalhos.
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A bactéria Helicobacter pylori
Os
clubistas visitaram todos os espaços do Centro de Isótopos Estáveis e
conheceram várias pesquisas que estão sendo realizadas por lá. Ficaram
empolgados com o método que simplificou muito a maneira de diagnosticar se uma
pessoa tem a bactéria Helicobacter pylori , aquela que provoca
úlcera e que também está associada a câncer de estômago e duodeno. Essa
bactéria é um problema de saúde pública em países em desenvolvimento, nos quais
as condições de higiene são precárias. Crianças que levam mãos e objetos sujos
à boca estão sujeitas a ser infectadas por esse microorganismo, que se instala
no estômago e ali fica alojado, podendo causar problemas imediatos ou apenas
quando a pessoa já for adulta. Exames comuns para diagnosticar a presença da H. pylori são muito invasivos. No entanto, conhecendo a biologia dessa
bactéria e um pouco de química, foi possível desenvolver um método bem mais
simples e não traumático para o paciente.
Descobriu-se,
depois de muito estudo, que essa bactéria produz uma enzima que não existe
normalmente no estômago, a urease, que transforma uma substância denominada de ureia
em amônia e gás carbônico (CO2). Sabendo disso, pesquisadores
testaram um método que deu certo. A pessoa a ser diagnosticada assopra por um
canudinho em um recipiente. O carbono do gás carbônico (CO2) que foi
para esse recipiente é armazenado e será analisado em um equipamento específico,
para saber o valor da proporção 13C/12C. Em outra etapa
dos trabalhos para realizar o diagnóstico, a pessoa ingere ureia composta do
isótopo 13C (ureia marcada). Depois de 15 minutos, ela assopra novamente
por um canudinho em outro recipiente, cujo conteúdo de CO2 também
será analisado no mesmo equipamento específico. Se a razão entre 13C/12C
aumentar, significa que o gás carbônico está com mais isótopo 13C do
que o esperado. Isso quer dizer que a bactéria está presente no estômago
daquela pessoa, porque a ureia marcada com o isótopo 13C foi
transformada pela urease que a bactéria produz, resultando gás carbônico
marcado (13CO2), que foi para o pulmão pela corrente
sanguínea**.
Conhecendo
laboratórios, equipamentos, técnicas e pesquisas realizadas no
Centro de
Isótopos Estáveis do Instituto de Biociências de Botucatu, Unesp.
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A produção de
Nitrogênio líquido
Depois de
lanchar e de serem apresentados a outros resultados de pesquisas que são
realizadas ali no Centro de Isótopos Estáveis (CIE), chegou o momento de conhecer
como é produzido o nitrogênio líquido, que desencadeou as investigações sobre
comportamento de átomos e moléculas no Clube de Ciências.
Evandro, o
funcionário que orientou esta etapa da visita, ia começar a mostrar e explicar
o funcionamento do equipamento responsável pela produção do nitrogênio líquido,
quando um dos clubistas, o Gustavo, pediu para arriscar uma explicação, com
base nos conhecimentos que adquirira a partir das nossas investigações
iniciais. Evandro ouviu-o, com muita atenção, explicar que o nitrogênio
existente no ar entrava na máquina, e devia ser levado para um lugar muito frio
para fazer as moléculas vibrarem menos e se aproximarem uma das outras, até o
nitrogênio, que estava sob a forma de gás, se transformar em líquido. Evandro concordou
com a explicação dada pelo Gustavo, mas informou alguns detalhes que os
clubistas ainda não conheciam. Ele lhes falou que naquele equipamento que
estavam conhecendo, havia um tipo de peneira que filtra o ar atmosférico e
retira dele apenas o nitrogênio que será liquefeito, com o uso de baixíssima
temperatura e alta pressão.
Para mim foi
muito especial presenciar a atitude do Gustavo, de querer por a prova seus
conhecimentos e de ter feito isso com tanta propriedade. É sempre muito
gratificante constatar o interesse e envolvimento de nossos alunos com o mundo
das ideias.
Ao final, com
a cumplicidade do Evandro, os clubistas divertiram-se no pátio do
estacionamento com o nitrogênio líquido, que, ao ser espalhado pelo asfalto,
transformou-se em gás novamente, envolvendo-os em uma “nuvem de fumaça”, cena
que pode ser vista na figura abaixo e também no início do post Onde há fumaça, há fogo?.
Para encerrar essa
visita tão especial...
... e que
deixou muitos adolescentes extremamente entusiasmados, o Professor Ducatti
abriu sua sala, mostrou seus livros, conversou com todos sobre a importância da
Ciência para a humanidade e sobre a necessidade de dedicação ao estudo para
conseguir ser cientista de alto nível.
Clubistas na sala do Professor Ducatti |
Essa foi uma oportunidade e tanto para todos nós.
Só nos
resta agradecer ao Professor Ducatti e a todos os técnicos e alunos de
pós-graduação que, além de anfitriões muito gentis, mostraram que é necessário
e muito prazeroso estudar para adquirir conhecimento. Só com conhecimento é possível ser um profissional respeitável, capaz de vencer desafios científicos e
tecnológicos, bem como ser capaz de compreender o mundo ao redor e agir com consciência
e autonomia.
Leitura complementar
para professores e alunos de graduação:
*
Isótopos estáveis em
estudos ecológicos: métodos,aplicações e perspectivas
**
Uso de Isótopos Estáveis para detecção de infecção por Helicobacter pylori em humanos no
Brasil
Sugestão:
Se você quiser saber mais sobre outras atividades do
Clube de Ciências, acesse os links:
- Se
não me seguro, eu caio! - Por Lucia Maria Paleari
- Vivendo e aprendendo - Por Lucia Maria Paleari
- Onde há fumaça, há fogo! Será verdade? - Por Lucia Maria Paleari
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