quarta-feira, 25 de junho de 2014

Ciência é coisa séria, mas muito prazerosa
Por Lucia Maria Paleari

Clube de Ciências

Diário de Bordo
Visita ao Centro de Isótopos Estáveis de Botucatu
Nitrogênio líquido – Segunda parte


Ciência é coisa séria, mas muito prazerosa
  
Por Lucia Maria Paleari
lpaleari@ibb.unesp.br


No post anterior mencionei o quanto foi importante a visita que fizemos ao Centro de Isótopos Estáveis do Instituto de Biociências, da Unesp, Botucatu. Neste post, detalharei o que os participantes do Clube de Ciências da EMEF “Dr. João Maria de Araújo Jr.” viram e aprenderam por lá.

Na hora marcada, chegamos animados para essa visita. Fomos recebidos pelo Dr. Carlos Ducatti, grande entusiasta e supervisor dos trabalhos que são realizados no local. Sem delongas e com extrema boa vontade, ele nos levou a uma sala de conferências. Com imagens, esquemas e gráficos, acompanhados de explicações valiosas, um mundo novo e muito interessante nos foi apresentado.


Os clubistas visitam o Centro de Isótopos Estáveis do Instituto de Biociências de Botucatu (Unesp),
acompanhados do Professor Ducatti.


Átomos: Seus componentes e propriedades

Os adolescentes aprenderam que os átomos de um mesmo elemento químico podem não ser todos iguais e que os conhecimentos científicos sobre esse assunto podem ter aplicações e implicações práticas, dignas de um Sherlock Homes.

No núcleo dos átomos estão reunidas as partículas com carga positiva, denominadas de prótons, e as partículas sem carga, conhecidas por nêutrons.

O número atômico de um átomo, que é o seu número de prótons somado ao seu número de nêutrons, nos dá a massa atômica desse átomo, já que a massa do elétron é ínfima e desprezível nesse caso. Acontece que o número de nêutrons pode variar e, sendo assim, átomos de um mesmo elemento químico, portanto, que têm igual número atômico, poderão ter massas atômicas diferentes. Esses são os conhecidos Isótopos (isos, de origem grega, quer dizer igual e topos, quer dizer lugar). Isso significa que apesar de terem números de nêutrons diferentes, todos os átomos variantes de um determinado elemento químico, que têm, portanto, o mesmo número de prótons, ocupam o mesmo local na  tabela periódica. Na Natureza, alguns desses isótopos podem ser radioativos e outros não. Os isótopos não radioativos são denominados de isótopos estáveis


O átomo de Carbono como exemplo

O átomo de Carbono (C) mais comum na Natureza tem 6 prótons no núcleo (número atômico = 6), e sua massa atômica é 12 (12C). No entanto, há átomos de Carbono menos comuns do que esse, que têm 7 nêutrons e, por isso, sua massa atômica é 13 (13C). Ambos são normalmente estáveis, portanto, não são radioativos, como o é o Carbono que possui 8 neutros e, consequentemente, massa atômica 14 (14C).

Diversos tipos de átomos como o Hidrogênio (H), Oxigênio (O), Nitrogênio (N) e o Enxofre (S), também possuem isótopos estáveis que, assim como os de Carbono, se encontram na Natureza em proporções diferentes, que podem ser calculadas com o auxílio de equipamentos especiais.

Plantas do grupo das gramíneas tropicais, tais como o milho e a cana de açúcar, quando realizam o processo de fotossíntese , por meio do qual fabricam o alimento (glicose), absorvem mais gás carbônico (CO2) composto do isótopo de Carbono de massa atômica 13 (13C), do que CO2 com Carbono de massa atômica 12 (12C). Durante esse processo de fotossíntese, o Carbono, proveniente do CO2, é fixado resultando uma substância composta de quatro átomos de carbono. Por isso, essas plantas são conhecidas como plantas C4.

Outras plantas, como as laranjeiras, videiras, eucaliptos etc. foram denominadas plantas C3, porque ao realizar a fotossíntese elas produzem uma substância composta por 3 átomos de carbono. Diferente das plantas C4, as plantas C3 absorvem, durante a fotossíntese, mais CO2 composto de Carbono de massa atômica 12 (12C), do que CO2 composto de Carbono de massa atômica 13 (13C).

Existem também plantas que vivem em ambientes com pouca água disponível, como os cactos (grupo das plantas suculentas), as bromélias, as orquídeas epífitas (fixam-se em ramos e troncos de árvores), entre outras, que desenvolveram processos especiais para fixar o Carbono, de maneira a evitar a perda de água. Estas plantas são conhecidas como plantas-CAM (Metabolismo Ácido das Crassuláceas). À noite elas podem fixar o Carbono, proveniente do gás carbônico (CO2), primeiramente em molécula de quatro átomos de carbono, que será usada depois durante o dia. No entanto, essas plantas podem também, quando há água disponível, se comportar como planta C3 e fixar inicialmente o Carbono do CO2 em molécula com três átomos de Carbono. 


O mel é puro, ou é pura tapeação (adulteração)?

Na Natureza os isótopos estáveis de cada elemento químico se encontram em certa proporção, que é possível calcular com o auxílio de equipamentos especiais. E como é dificílimo medir a quantidade total de um isótopo, como o de Carbono, por exemplo, para saber qual a origem de certo produto, calcula-se a relação entre o isótopo mais pesado e o mais leve (13C/12C) e compara-se com o valor da proporção desses isótopos em um material padrão, usado por pesquisadores do mundo todo. 

Agora, imagine se ao analisar uma amostra de mel, em cujo rótulo está escrito que é de flor de laranjeira, o pesquisador obtiver um valor maior do que o esperado ao calcular a proporção 13C/12C. Isso significa que, naquele mel, há proporcionalmente mais 13C do que 12C. Portanto, o material analisado, se mel for poderá ser de néctar de flores de cana, mas é quase certo que deve ter sido “batizado” com melaço. Isso porque, para ser mel de flor de laranjeira, que é uma planta C3, ele deveria ter mais 12C do que 13C, o que resultaria em um valor mais baixo ao calcular a proporção 13C/12C.
Dessa mesma maneira, também é possível saber se vinho, cerveja e néctares de frutas, por exemplo, estão adulterados.
O princípio geral para detectar a quantidade de isótopo é esse, porém, há situações em que se faz necessário acrescentar, aos resultados do estudo que se desenvolve com um certo isótopo, resultados de investigação complementar com outro tipo isótopo* ou acrescentar conhecimentos específicos do animal ou planta em estudo, para entender certos fenômenos.

Fazendo amigos

Assim que saímos da sala de conferências para onde o Dr. Carlos Ducatti havia nos levado, foi possível conversar com alunos de pós-graduação que desenvolviam suas pesquisas naquele Centro. Muito satisfeitos com os trabalhos que realizavam, aqueles pós-graduandos falaram da importância de sempre aliar à curiosidade, muito estudo. Só dessa forma é possível investigar com propriedade, ter o prazer de entender bem sobre muitos assuntos e fazer novas descobertas.

Dois alunos de pós-graduação contando sobre suas experiências; à direita, uma aluna 
recém-chegada do exterior, falando sobre o valor de se estabelecer
 parcerias para a realização dos trabalhos.


A bactéria Helicobacter pylori

Os clubistas visitaram todos os espaços do Centro de Isótopos Estáveis e conheceram várias pesquisas que estão sendo realizadas por lá. Ficaram empolgados com o método que simplificou muito a maneira de diagnosticar se uma pessoa tem a bactéria Helicobacter pylori , aquela que provoca úlcera e que também está associada a câncer de estômago e duodeno. Essa bactéria é um problema de saúde pública em países em desenvolvimento, nos quais as condições de higiene são precárias. Crianças que levam mãos e objetos sujos à boca estão sujeitas a ser infectadas por esse microorganismo, que se instala no estômago e ali fica alojado, podendo causar problemas imediatos ou apenas quando a pessoa já for adulta. Exames comuns para diagnosticar a presença da H. pylori são muito invasivos.  No entanto, conhecendo a biologia dessa bactéria e um pouco de química, foi possível desenvolver um método bem mais simples e não traumático para o paciente.


Descobriu-se, depois de muito estudo, que essa bactéria produz uma enzima que não existe normalmente no estômago, a urease, que transforma uma substância denominada de ureia em amônia e gás carbônico (CO2). Sabendo disso, pesquisadores testaram um método que deu certo. A pessoa a ser diagnosticada assopra por um canudinho em um recipiente. O carbono do gás carbônico (CO2) que foi para esse recipiente é armazenado e será analisado em um equipamento específico, para saber o valor da proporção 13C/12C. Em outra etapa dos trabalhos para realizar o diagnóstico, a pessoa ingere ureia composta do isótopo 13C (ureia marcada). Depois de 15 minutos, ela assopra novamente por um canudinho em outro recipiente, cujo conteúdo de CO2 também será analisado no mesmo equipamento específico. Se a razão entre 13C/12C aumentar, significa que o gás carbônico está com mais isótopo 13C do que o esperado. Isso quer dizer que a bactéria está presente no estômago daquela pessoa, porque a ureia marcada com o isótopo 13C foi transformada pela urease que a bactéria produz, resultando gás carbônico marcado (13CO2), que foi para o pulmão pela corrente sanguínea**.

Conhecendo laboratórios, equipamentos, técnicas e pesquisas realizadas no
 Centro de Isótopos Estáveis do Instituto de Biociências de Botucatu, Unesp.


A produção de Nitrogênio líquido

Depois de lanchar e de serem apresentados a outros resultados de pesquisas que são realizadas ali no Centro de Isótopos Estáveis (CIE), chegou o momento de conhecer como é produzido o nitrogênio líquido, que desencadeou as investigações sobre comportamento de átomos e moléculas no Clube de Ciências.

Evandro, o funcionário que orientou esta etapa da visita, ia começar a mostrar e explicar o funcionamento do equipamento responsável pela produção do nitrogênio líquido, quando um dos clubistas, o Gustavo, pediu para arriscar uma explicação, com base nos conhecimentos que adquirira a partir das nossas investigações iniciais. Evandro ouviu-o, com muita atenção, explicar que o nitrogênio existente no ar entrava na máquina, e devia ser levado para um lugar muito frio para fazer as moléculas vibrarem menos e se aproximarem uma das outras, até o nitrogênio, que estava sob a forma de gás, se transformar em líquido. Evandro concordou com a explicação dada pelo Gustavo, mas informou alguns detalhes que os clubistas ainda não conheciam. Ele lhes falou que naquele equipamento que estavam conhecendo, havia um tipo de peneira que filtra o ar atmosférico e retira dele apenas o nitrogênio que será liquefeito, com o uso de baixíssima temperatura e alta pressão.

Para mim foi muito especial presenciar a atitude do Gustavo, de querer por a prova seus conhecimentos e de ter feito isso com tanta propriedade. É sempre muito gratificante constatar o interesse e envolvimento de nossos alunos com o mundo das ideias.

Ao final, com a cumplicidade do Evandro, os clubistas divertiram-se no pátio do estacionamento com o nitrogênio líquido, que, ao ser espalhado pelo asfalto, transformou-se em gás novamente, envolvendo-os em uma “nuvem de fumaça”, cena que pode ser vista na figura abaixo e também no início do post Onde há fumaça, há fogo?.



Evandro e os clubistas: no laboratório, medindo a temperatura do nitrogênio líquido com um termômetro digital; conhecendo o equipamento e o processo por meio dos quais se obtém nitrogênio líquido e no estacionamento, divertindo-se com a
 transformação do nitrogênio líquido novamente em gás


Para encerrar essa visita tão especial...

... e que deixou muitos adolescentes extremamente entusiasmados, o Professor Ducatti abriu sua sala, mostrou seus livros, conversou com todos sobre a importância da Ciência para a humanidade e sobre a necessidade de dedicação ao estudo para conseguir ser cientista de alto nível.

Clubistas na sala do Professor Ducatti 


Essa foi uma oportunidade e tanto para todos nós.
Só nos resta agradecer ao Professor Ducatti e a todos os técnicos e alunos de pós-graduação que, além de anfitriões muito gentis, mostraram que é necessário e muito prazeroso estudar para adquirir conhecimento. Só com conhecimento é possível ser um profissional respeitável, capaz de vencer desafios científicos e tecnológicos, bem como ser capaz de compreender o mundo ao redor e agir com consciência e autonomia.

  
Leitura complementar para professores e alunos de graduação:

* Isótopos estáveis em estudos ecológicos: métodos,aplicações e perspectivas

** Uso de Isótopos Estáveis para detecção de infecção por Helicobacter pylori em humanos no Brasil


Sugestão:
Se você quiser saber mais sobre outras atividades do Clube de Ciências, acesse os links:
                         
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 Clube de Ciências Escola municipal "Dr. João Maria de Araújo Jr." - Botucatu